TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
153 acórdão n.º 41/16 da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a cria- ção e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto. A garantia do “juiz natural” tem, assim, um âmbito de proteção que é, em larga medida, configurado ou con- formado normativamente – isto é, pelas regras de determinação do juiz “natural”, ou “legal” (assim G. Britz, ob. cit, p. 574, Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte II , 14.ª edição, Heidelberg, 1998, p. 269). E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subje- tivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas.» E, mais recentemente, pode ler-se no Acórdão n.º 482/14: «Ao nível processual, o princípio do juiz natural constitui emanação do princípio da legalidade em matéria penal e do princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça, refletindo uma garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal. Ao exigir-se a determinabilidade do tribunal a partir de regras legais, assegura-se também a independência e a imparcialidade do julgador (artigo 203.º da CRP). Trata-se, portanto, não só de garantir a ausência de arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado(s) juízes(s) (dimensão objetiva, incluindo o aspeto de organização interna dos tribunais), como ainda de assegurar a proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal (dimensão negativa).» 11. Igualmente pacífico na doutrina e jurisprudência constitucional é o entendimento de que a garantia do juiz natural vale também para a fase de instrução – e não apenas para a audiência de julgamento (cfr. Acórdão n.º 482/14; na doutrina, Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., p. 525; referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de instrução, cfr., ainda Figueiredo Dias, Sobre o…, cit., nota 3, p. 83). Tenham-se ainda em conta, a este propósito, as palavras de Miguel Nogueira de Brito (“O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária”, in Julgar , n.º 20, maio-agosto de 2013, p. 34). «[A]s ablações ao princípio do juiz natural podem porvir do poder judicial, como sucede quando os tribunais aplicam incorretamente as disposições normativas relativas à determinação do tribunal competente, à sua compo- sição e modo de decisão. A este propósito, a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, com o propósito de impedir a transformação de toda a violação de disposições sobre estas matérias em violações do princípio do juiz natural, tem distinguido entre uma aplicação viciada de um error in procedendo e uma aplicação arbitraria- mente injusta das disposições processuais sobre a determinação da competência dos tribunais. De acordo com este critério, viola a Constituição a participação num processo de um juiz impedido ou em relação ao qual exista um fundamento de suspeição, bem como, em geral, uma decisão que subverta o significado e alcance do princípio do juiz natural.» (sublinhado acrescentado).» Trata-se de uma fronteira que o Tribunal deve traçar com rigor e que não é muito diferente daquela que observa a respeito do princípio da legalidade criminal. Na verdade, o controlo da constitucionalidade em matéria de violação daquele princípio implica um equilíbrio algo delicado, designadamente em sede de fisca- lização concreta, que passa por, não interferindo com a tarefa de interpretação e aplicação do direito levada a cabo pelo tribunal recorrido – que não pode ser substituído pelo Tribunal Constitucional –, verificar se o
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=