TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL quinto lugar, não se descortina que se esteja, relativamente àquelas, perante questões diferentes. Com efeito, a argumentação expendida nas alegações de recurso, assim como o enunciado da quinta questão, permitem concluir que esta última acaba por conter a súmula das outras quatro, unificando-as. Em face do que ficou dito, o objeto do presente recurso é integrado pela norma constante dos artigos 22.º, n.º 1, 23.º e 80.º, n.º 1, todos da LOFTJ, na redação introduzida pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho (entretanto revogada pela Lei de Organização do Sistema Judiciário, doravante, “LOSJ”), na interpretação de que «apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao TCIC a competência para a prática dos atinentes atos jurisdicionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quais- quer dos pressupostos (cumulativos, aliás) ali mencionados – isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47. º da LOMP, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa». Por fim, quanto às normas ou princípios constitucionais violados, no requerimento de recurso o recor- rente menciona «o n.º 9 do artigo 32.º da CRP, o n.º 2 do artigo 202.º da CRP e o princípio da subordinação dos tribunais à lei, consagrado no artigo 203.º da CRP». No entanto, orienta toda a sua argumentação no sentido da violação do princípio do juiz natural. B – Do mérito do recurso 10. A discussão no âmbito do presente processo coloca-se, assim, essencialmente, no confronto entre a norma ora enunciada e o princípio do juiz natural, consagrado no artigo 32.º, n.º 9, da CRP. O princípio do juiz natural ou do juiz legal determina que «nenhuma causa pode ser subtraída ao tribu- nal cuja competência esteja fixada em lei anterior». Implica este princípio essencialmente a predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da com- petência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 525). Conforme escreveu Figueiredo Dias: «É sabido – e é, ao que julgo, indiscutível na doutrina e na jurisprudência, constitucional e ordinária, dos países democráticos (2) – que o princípio do juiz legal ou natural esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da criação ad hoc , ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto , de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal (3). Se bem seja certo que, deste modo, cabe no princípio uma qualquer ideia de anterioridade da fixação da com- petência relativamente ao facto que vai ser apreciado (4), não se trata nele tanto (diferentemente do que sucede com o princípio do « nullum crimen, nulla poena sine lege ») de erigir uma proibição geral e absoluta de «retroa- tividade», quanto sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo, em suma, que compreensivamente se pode designar pela raison d’Etat – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito.» Figueiredo Dias, “Sobre o sentido do prin- cípio jurídico-constitucional do «juiz natural»”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, pp. 83-84;» OTribunal Constitucional também já se pronunciou, por mais de uma vez, sobre o sentido e alcance do princípio do juiz natural. Lê-se no Acórdão n.º 614/03: «O princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição). Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeter- minado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração
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