TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 38.º Mantém-se, em suma, a tese do Prof. Figueiredo Dias, segundo a qual (cfr. supra n.º 31 das presentes alegações): “Assim, ainda antes da Constituição de 1976 – e deplorando, aliás, a falta de consagração expressa do princípio no texto constitucional anterior – Jorge de Figueiredo Dias ( Direito Processual Penal, cit., pp. 322 e segs.) salientava que pelo princípio do “juiz natural” ou do “juiz legal” “se procura sancionar, de forma expressa, o direito funda- mental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente”, com um tríplice significado: no plano da fonte, só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência; no plano temporal, afirmando um princípio de irretroatividade; no plano da previ- são legal, a vinculação a uma “ordem taxativa de competência, que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente”, e, designadamente, com proibição de jurisdições de exceção. Voltando ao tema posteriormente à Constituição de 1976 (Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz natural”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , ano 111.º, pp. 83 e segs.), Figueiredo Dias salientou que o sentido material do princípio é a “proibição da criação ad hoc , ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto , de um juízo com- petente para a apreciação de uma certa causa penal. Se bem seja certo que, deste modo, cabe no princípio uma qualquer ideia de anterioridade na fixação da competência relativamente ao facto que vai ser apreciado, não se trata nele tanto (diferentemente do que sucede com o princípio do « nullum crimen, nulla poena sine lege ») de erigir uma proibição geral e absoluta de «retroatividade», quanto sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar pela raison d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito.” Assim, pese embora o teor literal do preceito – que, como resulta do elemento histórico, afirma ir mais longe do que a sua razão de ser –, defende que ele não pretende proscrever “toda e qualquer atribuição de competência feita por lei que não seja anterior à prática do facto que constitui objeto do processo” – mas apenas “quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de exceção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial”. O princípio do juiz natural não poderia, assim, opor-se à modificação legal, com efeitos imediatos, da organização judiciária (o que seria patente, designadamente, quando tal modificação representasse um aperfeiçoamento ou avanço na forma de garantir os direitos dos cidadãos). 39.º Ou a conceção dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. supra n.º 31 das presentes alegações): “O princípio do juiz legal (…) consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição de competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime.  Juiz legal é não apenas o juiz da sentença em 1.ª instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão (princípio dos juízes legais). A exigência constitucional vale claramente para os juízes de instrução e para os tribunais coletivos. A doutrina costuma salientar que o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais: (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamado a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação da competência, observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma atividade materialmente administrativa, ela conexionase com o princípio da administração judicial).”

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