TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. Começando por invocar o princípio da igualdade, defende a recorrente que a norma do artigo 26.º, n.º 2, da Portaria n.º 278/2013, é discriminatória porque a solução nele consagrada «não tem paralelo na Ordem Jurídica Portuguesa, não tendo sucedido com nenhuma profissão forense exercida por profissionais libe- rais esta imposição de retirarem dos seus próprios e legítimos honorários brutos (ganhos em outros processos de inventário) uma percentagem, de forma a criar os meios para suportar o apoio judiciário. Veja-se o caso dos agentes de execução a quem foram atribuídas funções que anteriormente pertenciam ao Estado e que não tem que suportar com o seu rendimento o apoio judiciário, totalmente garantido pelo IGFEJ, IP (aliás já noutro aspeto os notários se encontram prejudicados uma vez que ao contrário de advogados e solicitadores que aderem voluntariamente ao sistema de acesso à justiça/apoio judiciário, os notários não têm opção)». Decorre, contudo, dessa argumentação, que a arguição de inconstitucionalidade, com fundamento em violação do princípio da igualdade, se dirige diretamente à norma do n.º 2 do artigo 26.º da referida portaria, na parte em que prevê a futura constituição de um fundo, com as características de composição e afetação final aí referidas, e não, em rigor, à interpretação que constitui objeto do recurso, tal como acima delimitado. Por outro lado, não se descortina na interpretação acolhida pelo tribunal recorrido qualquer afronta do princípio da igualdade. Na verdade, não decorre dela qualquer transmissão definitiva de responsabilidades patrimoniais, do Estado para os notários, em matéria de apoio judiciário, no período transitório em causa, como parece pressupor a recorrente, mas a mera exigência de que, na hipótese em que o requerente beneficia de apoio judiciário, o processo de inventário deve prosseguir, ainda que sem o prévio pagamento dos hono- rários e despesas devidos aos notários (de que se não isenta a final o Estado). Assim sendo, nenhum sentido faz a invocação da existência de um tratamento discriminatório por comparação com os restantes profissio- nais liberais forenses, como os advogados ou solicitadores, em relação aos quais não vigora, neste particular, solução diferente quando prestam serviços no âmbito do apoio judiciário. Com efeito, também em relação a essa categoria de profissionais forenses, o pagamento da compensação e o reembolso das despesas é, em regra, exigível após a realização do serviço que lhes compete prestar, no âmbito do sistema de acesso ao direito e aos tribunais (artigos 3.º, n.º 2, e 36.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e artigos 8.º e 8.º-D da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro), e não antes, não lhes sendo, em qualquer caso, reconhecido o direito, enquanto participantes desse sistema, de condicionar o exercício das suas funções, nesse âmbito, ao efetivo pagamento pelo Estado das contrapartidas devidas pelos serviços já prestados ou a prestar. Por outro lado, não parece juridicamente sustentável que sejam transponíveis para domínios de inegável interesse público causas de suspensão das obrigações inspiradas em princípios de direito substantivo impe- rantes no âmbito das relações contratuais privadas, como é o caso da exceptio non adimpleti contratus (artigo 428.º do Código Civil). Na verdade, nem o Estado atua, na situação sub judicio , enquanto sujeito de direito privado, nem o notário, que é chamado a exercer funções públicas de natureza judicial, é um mero sujeito privado estranho às responsabilidades públicas que lhe são inerentes. O apoio judiciário, enquanto instrumento de realização do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição), constituindo um dever primacialmente dirigido ao Estado, não deixa, por isso, de assumir um sentido comunitário que amplia e densifica o universo de sujeitos passivos abrangidos pela obrigação de viabilização efetiva do acesso à tutela jurisdicional, integrando no seu seio, não apenas o Estado, como defende a recorrente, mas todos aqueles que, como é o caso dos notários, são chamados a participar no sistema de acesso ao direito e aos tribunais. E decorrendo a atribuição de competências aos notários, para a tramitação do processo de inventário, de uma opção vinculativa do legislador de transferir para o setor privado competências públicas antes exercidas pelos tribunais, parece claro que os notários assumem, a este nível de intervenção, um papel substitutivo central que não é comparável com aqueles que os advogados ou solicitadores assumem no âmbito do sistema de justiça, representando ou patrocinando as partes. Assim sendo, justifica-se que, em relação a estes profis- sionais forenses, a participação no sistema de acesso ao direito seja voluntária (artigo 10.º, n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, que regulamenta o regime de acesso aos tribunais), contrariamente ao que sucede com os notários, em relação aos quais o exercício de um direito correspondente ou equivalente, neste

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=