TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

132 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Da argumentação de arguição de inconstitucionalidade da norma sub iudicio , com fundamento em violação do princípio da igualdade, decorre que ela se dirige diretamente à norma na parte em que prevê a futura constituição de um fundo, com as características de composição e afetação final aí refe- ridas, e não, em rigor, à interpretação que constitui objeto do recurso; por outro lado, não decorrendo da norma qualquer transmissão definitiva de responsabilidades patrimoniais, do Estado para os notá- rios, em matéria de apoio judiciário, no período transitório em causa, mas a mera exigência de que, na hipótese em que o requerente beneficia de apoio judiciário, o processo de inventário prossiga, ainda que sem o prévio pagamento dos honorários e despesas devidos aos notários (de que se não isenta a final o Estado), não faz nenhum sentido a invocação da existência de um tratamento discriminatório por comparação com os restantes profissionais liberais forenses em relação aos quais não vigora, neste particular, solução diferente quando prestam serviços no âmbito do apoio judiciário. IV – Por outro lado, não parece juridicamente sustentável que sejam transponíveis para domínios de inegá- vel interesse público causas de suspensão das obrigações inspiradas em princípios de direito substanti- vo imperantes no âmbito das relações contratuais privadas; na verdade, nem o Estado atua, na situação sub judicio , enquanto sujeito de direito privado, nem o notário, que é chamado a exercer funções públicas de natureza judicial, é um mero sujeito privado estranho às responsabilidades públicas que lhe são inerentes; a «incindível natureza pública e privada» da função notarial, nos vários domínios em que se exerce, constitui traço distintivo que constitucionalmente legitima as diferenças de regime que possa haver na forma como o legislador especificamente posiciona o notário, em confronto com os restantes profissionais forenses, no sistema global de acesso ao direito e aos tribunais. V – Nesta perspetiva, a exigência do prosseguimento dos autos de inventário, na hipótese normativa ques- tionada, não só não se mostra «em contradição intrínseca com a conceção global do sistema de acesso ao direito e de apoio judiciário», como constitui condição da sua plena efetivação nos casos, como o presente, em que a tutela jurisdicional é efetivada, em primeira linha, por recurso a outras entidades que não os tribunais estaduais. VI – O tribunal recorrido apenas considerou processualmente ilegítima a invocação, como causa de sus- pensão dos autos de inventário, do não adiantamento prévio, pelo Estado, dos meios destinados a suportar os respetivos custos, o que se não ajusta às razões de queixa constitucional que a recorrente invoca quando apela ao direito à retribuição no trabalho; acresce que, ainda que fosse sustentável – e não é – a ampliação subjetiva das normas constitucionais que consagram os direitos fundamentais do trabalhador, de modo a nelas integrar como sujeitos ativos, não apenas o trabalhador por conta de outrem, mas também os profissionais liberais, a verdade é que não se trata aqui de negar aos notários o direito à compensação devida pelos serviços prestados no âmbito do processo de inventário; o que se lhes nega, é o poder de suspender unilateralmente o prosseguimento de um processo instaurado por quem comprovadamente não dispõe de meios económicos para suportar os custos que lhe são inerentes até que a compensação que reclamam junto do Estado seja satisfeita, entendimento que não é virtualmente apto a colocar em crise o invocado direito compensatório. VII – Por outro lado, o direito ao trabalho, na dimensão negativa que tutela a liberdade de exercício de uma atividade profissional, não pode querer significar a ausência de quaisquer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar o conteúdo essencial de direitos conflituantes, que também assumem a natureza de direitos fundamentais, como é o caso do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicio- nal efetiva; ora, considerando a natureza das funções atribuídas aos notários, no âmbito dos processos

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