TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
128 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dos respetivos depoimentos prestados anteriormente na fase de inquérito ou de instrução, desde que se mostrem salvaguardados os direitos de defesa. Regra geral, estes últimos exigem que tenha sido dada ao arguido a possibilidade de interrogar, direta ou indiretamente, tais testemunhas, seja no momento em que as mesmas prestaram o seu depoimento, seja em momento posterior (cfr., entre muitos, Isgrò c. Italie, de 19 de fevereiro de 1991, § 34; Saïdi c. France, n.º 14647/89, de 20 de setembro de 1993, §§ 43-44; Trampevski c. ex-República jugoslava da Macedónia, n.º 4570/07, de 10 de julho de 2012, § 44; A.G. c. Suécia (dec.), n.º 315/09, de 10 de janeiro de 2012; Al-Khawaja e Tahery c. Reino Unido , n. os 26766/05 e 22228/06, de 15 de dezembro de 2011, § 118; e Schatschaschwili c. R.F. Alemanha , n.º 9154/10, 105; vide também Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, nota 9.5. ao artigo 6.º, p. 175) – está em causa a chamada “regra da prova única ou determinante”, segundo a qual, um processo (penal) não é equitativo, caso a condenação se funde exclusivamente ou em medida decisiva em depoimentos de testemunhas que o arguido não tenha podido interrogar em nenhuma das fases do processo. Porém, no seu acórdão Al-Khawaja e Tahery, o Tribunal flexibilizou a aplicação desta regra em função de uma série de critérios e princípios, vindo a admitir que, em determinadas circunstâncias, a mesma pode- ria ser afastada sem violação do artigo 6.º, parágrafo 3.º, alínea d) , da Convenção, admitindo, portanto, a condenação do arguido com base em depoimentos de testemunhas lidos na audiência sem que as mesmas testemunhas tenham alguma vez sido interrogadas, direta ou indiretamente, pelo arguido (cfr. os §§ 119 e segs.). O acórdão Schatschaschwili confirmou esta orientação e precisou alguns desses critérios e princípios (cfr. os respetivos §§ 106 e segs.). Estas indicações confirmam que o reconhecimento de um espaço de livre conformação quanto à dis- ciplina legal da admissibilidade da leitura em audiência de depoimentos anteriormente prestados por tes- temunhas presentes nessa mesma audiência é corrente no panorama jurídico europeu, inexistindo soluções absolutas. Constantes são apenas a orientação geral correspondente à imediação e a exigência de salvaguarda dos direitos de defesa e do contraditório quanto aos depoimentos a apreciar na audiência. 13. Como mencionado, a redação dada ao artigo 356.º, n.º 3, do CPP pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, alargando o campo da admissibilidade, para os efeitos aí previstos, da leitura em audiência de declarações anteriormente prestadas sem o assentimento de todos os sujeitos processuais – não apenas perante um juiz, mas também perante o Ministério Público –, visou, desde logo, possibilitar a aplicação com real significado do regime contido nesse preceito (cfr. o n.º 4 da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII). Além disso, o legislador pretendeu objetivamente reforçar a importância da consistência e serie- dade das declarações prestadas durante o inquérito perante magistrados do Ministério Público, destacando o papel destes por comparação com os órgãos de polícia criminal e prevenindo táticas de diversão ou de manipulação por parte dos declarantes. Recorde-se que as declarações prestadas perante autoridade judiciária são prestadas sob juramento e vinculadas à verdade [cfr. os artigos 91.º, n.º 3, e 132.º, n.º 1, alíneas b) e d) , ambos do CPP]. Entende este Tribunal que o citado alargamento não afeta intoleravelmente nem a equidade do processo criminal nem as garantias de defesa do arguido e que, por isso, ainda se situa no âmbito da liberdade de conformação do legislador. Com efeito, o alargamento em causa, além de respeitar apenas às diligências realizadas por magistrados que a própria lei processual qualifica como “autoridade judiciária” – magistrados esses que, não sendo juízes, nem por isso deixam de se encontrar estatutária e deontologicamente obrigados a deveres de legalidade e de imparcialidade –, encontra-se balizado – e, por isso, também justificado por razões atendíveis – pelas funções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 356.º do CPP: (i) o avivamento da memória de quem declarar em audiência que já não recorda certos factos; e (ii) o esclarecimento de contradições ou discrepâncias entre declarações anteriores e aquelas que são feitas em audiência. Trata-se, assim, de um importante instrumento
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