TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

127 acórdão n.º 24/16 a decisão de deduzir uma acusação, as circunstâncias em que foram prestados suscitam naturais interrogações sobre a sua idoneidade para fundamentar uma decisão de condenação ou absolvição. Tais desconfianças, perante tal circunstancialismo, são inteiramente legítimas, colocando em causa a credibili- dade dos resultados deste modo de recolha de prova testemunhal em sentido amplo, pelo que não se revela arbitrá- ria nem desproporcionada a proibição da leitura de tais declarações em julgamento, quer como meio de prova, quer como mero instrumento auxiliar de valoração da prova testemunhal em sentido amplo aí produzida, uma vez que há sempre o risco dessa leitura contaminar os depoimentos prestados na audiência de julgamento. Sendo estes os fundamentos da proibição, ela tem necessariamente como destinatários todos os sujeitos pro- cessuais, incluindo o arguido. A suspeição que recai sobre uma prova devido ao modo como foi obtida é indepen- dente de quem dela se pretende servir. Saber até onde deve ir a severidade desta proibição ou quais as exceções que a mesma pode admitir é uma discussão inserida na área de liberdade de conformação do legislador na compatibilização de interesses conflituantes , não competindo a este Tribunal pronunciar-se sobre qual é a melhor solução ao nível infraconstitucional. A opção pela relevância de um consenso entre os titulares de interesses juridicamente relevantes no processo penal para que uma prova deste tipo, cuja credibilidade está sob suspeita, devido ao modo como foi obtida, possa ser admitida em julgamento, insere-se nesse espaço de liberdade do legislador ordinário, não infringindo qualquer diretriz constitucional, designadamente o direito de defesa do arguido ou o direito a um processo equitativo.» (itálicos aditados) Portanto, o regime-regra de proibição de leitura em audiência de autos de declarações anteriormente prestadas pelo assistente, pelas partes civis ou por testemunhas perante outrem que não um juiz justifica-se em razão de um juízo de desconfiança sobre a fiabilidade desses depoimentos, fundado na ausência de garan- tias de contraditoriedade e de imparcialidade quanto às condições em que são prestados. Mas tal regime, enformado por princípios como os da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção da prova, não é, ele próprio, absoluto, sendo admissíveis exceções legalmente fixadas e fundadas, ou em circunstâncias em que aquela desconfiança já não se justifique – como sucede no caso da mencionada ideia de autorrespon- sabilidade probatória das partes –; ou em razão da necessidade de concordância prática com outros interesses e valores conflituantes. A Constituição, nomeadamente ao assegurar todas as garantias de defesa do arguido, a estrutura acusatória do processo criminal e o princípio do contraditório (cfr. o respetivo artigo 32.º, n. os  1, 2 e 5), impõe, por isso, como princípio, que toda a prova em que se funde a convicção do julgador seja pro- duzida na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de natureza acusatória (os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova); mas a respetiva concretização em regras processuais, incluindo as exceções a admitir, já é matéria que se insere no espaço da liberdade de conformação do legislador. 12. No direito comparado, mormente no direito alemão e no direito italiano, e sem prejuízo do respeito pelo princípio da imediação da prova, encontram-se soluções diferenciadas para a questão do aproveitamento de depoimentos prestados em atos processuais anteriores à audiência de julgamento, em certos aspetos mais restritivos, noutros menos (vide, por exemplo, as referências em Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, Nota prévia ao artigo 355.º”, pp. 909-911). Já o regime estabelecido para a mesma questão pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direi- tos do Homem relativa ao artigo 6.º, parágrafo 3.º, alínea d) , da Convenção Europeia dos Direitos do Homem é menos exigente do que o previsto no CPP (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit. , pp. 911- 912). Em especial, no que se refere à garantia do contraditório e dos direitos de defesa quanto a depoi- mentos de testemunhas, aquele Tribunal considera que se, por princípio, os mesmos devem ser produzidas perante o arguido em audiência pública, com vista a um debate contraditório, tal não obsta a exceções, designadamente, e no caso em que as testemunhas não se encontram presentes na audiência, a leitura

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