TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6.1.1. Contudo, no que se refere ao fundamento invocado a título principal, está em causa um pressu- posto que se deve ter por preenchido em momento anterior ao da interposição do recurso de constituciona- lidade: o teor do requerimento de recurso de constitucionalidade apenas vale para a aferição da observância dos elementos obrigatórios dessa mesma peça processual, mas não é apto a lograr suprir pressupostos que se reportam a momento processual anterior, o qual culminou com a prolação da decisão recorrida e, conse- quentemente, com o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal a quo. Ora, durante o processo, designadamente no primeiro recurso apresentado no Tribunal da Relação de Coimbra, os recorrentes limitaram-se a invocar que o que constava exarado no auto de declarações de certas testemunhas não retratava com fidedignidade as declarações que as mesmas haviam, efetivamente, prestado. Contudo, nada enunciaram, quanto a esta matéria, relativamente à aplicação de qualquer critério norma- tivo alegadamente inconstitucional, designadamente um qualquer critério extraído do artigo 170.º do CPP relativo ao ónus de impulso processual e de prova a cargo dos recorrentes quando invocam a falsidade de conteúdo material do ato praticado no inquérito pelo Ministério Público. Por isso, ao contrário do que indi- cam no seu requerimento de recurso, esta questão de constitucionalidade normativa não foi adequadamente suscitada no recurso que interpuseram para o Tribunal da Relação de Coimbra. 6.1.2. Acresce que falha igualmente o requisito atinente à coincidência da norma fiscalizanda com a ratio decidendi da pronúncia recorrida. Quanto a este aspeto concreto, a ratio decidendi do aresto recorrido consta de fls. 5781 e segs., e é mais complexa e diferente do alegado pelos recorrentes. Considerou o tribunal a quo que a força probatória de um documento autêntico, como é o caso de um auto de inquirição de testemunhas, só pode ser ilidida com base na falsidade do documento em si ou na falta de correspondência do seu conteúdo com a realidade, isto é, na falta de autenticidade ou na falta de verdade: «A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na falsidade, sendo que um docu- mento é falso quando nele se atesta como tendo sido objeto de perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou (art. 372.º, n.º 1 e 2, do Código Civil). Chegados aqui, a questão que se coloca é a de saber qual o meio processual adequado para ilidir a presunção de veracidade do conteúdo do documento – um ato judicial – de forma a colocá-la “funda[da]mente em causa” (art. 169.º, n.º 1): se o previsto no artigo 170.º [do CPP], ou as regras do processo civil. Quanto a nós acolhemos a primeira posição, porquanto perante o preceituado no artigo 170.º, não se pode falar na verdadeira lacuna a que alude o artigo 4.º do Código de Processo Penal. […] No caso dos autos, seja qual for a posição que se assuma perante esta questão, o certo é que os recorrentes não provocaram uma decisão judicial com vista à declaração de falsidade do conteúdo material do auto de inquirição de testemunhas, não indicaram meios de prova, nem requereram qualquer diligência por forma a habilitar o julgador da primeira instância a decidir pela falsidade do conteúdo material do ato judicial praticado no inquérito pelo Ministério Público. O mesmo é dizer que inexiste decisão a declarar que cada uma das testemunhas inquiridas não pronunciou, de viva voz e perante o Ministério Público, as declarações transcritas que seguem à expressão «confirma na íntegra as declarações prestadas perante a Polícia Judiciária de Coimbra em (...)». De igual modo, inexiste qualquer decisão a declarar que não é verdade que tenham sido exibidas às testemunhas as fotografias referenciadas em cada um dos autos. E, a ser, assim, mais não nos resta do que conferir a cada um dos autos, a força probatória a que alude a primeira parte do n.º 1 do artigo 169.º [do CPP], julgando que a inquirição de cada uma das testemunhas ouvidas se realizou nos exatos termos em que se encontra documentado nos respetivos autos de inquirição». (itálicos aditados; (fls. 5783-5784, ponto 4.2. do acórdão recorrido, pp. 113-114).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=