TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
108 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 51. As testemunhas H., I., J. e K. em sede de inquérito prestaram as suas declarações num determinado sentido, mas em sede de julgamento as suas declarações foram num sentido completamente oposto. Perguntadas em que momento falaram com verdade, as testemunhas referiram que era ali, em julgamento, que estavam a dizer a verdade. 52. A questão que se coloca é a de saber se perante tal realidade o Tribunal a quo poderia, com base no artigo 127.º do CPP, dar como verdadeiras as declarações que foram prestadas em sede de inquérito em vez de dar como verdadeiras as foram prestadas em sede de julgamento? 53. Os recorrentes entendem que o Tribunal a quo jamais poderia dar como verdadeiras as declarações que foram prestadas em sede de inquérito em detrimento das que foram prestadas em sede julgamento quando tais declarações são opostas entre si e partem do mesmo declarante. Tendo-o feito, o Tribunal a quo fez uma inter- pretação inconstitucional do disposto no artigo 127.º do CPP, na medida em que o princípio da livre apreciação da prova não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável, arbitrária da prova produzida – que foi exatamente o que o Tribunal a quo fez ao considerar como bom um depoimento que determinada testemunha prestou em sede de inquérito quando, em julgamento, essa mesma testemunha disse precisamente o inverso daquilo que disse quando ouvida em inquérito. 54. O Tribunal a quo ao ter dado como verdadeiras as declarações prestadas por aquelas testemunhas em sede de inquérito (e lidas e julgamento) em prejuízo das declarações que estas mesmas testemunhas prestaram em sede de julgamento e que as mesmas afirmaram perentoriamente corresponderem à verdade, justificando que tomou aquelas como verdadeiras ao abrigo do disposto no artigo 127.º do CPP, deu uma interpretação ao princípio pre- visto nesta norma legal muito para além do seu sentido real, de tal forma, procedendo a uma apreciação comple- tamente arbitrária do depoimento daquela testemunha, violando com tal apreciação o principio da presunção de inocência e do in dúbio pro reu, artigo 32.º, n.º 2 da CRP. 55. A leitura de declarações de testemunhas presentes em audiência de julgamento, quando legalmente per- mitidas, “tem apenas por finalidade suprir lacunas” ou “averiguar da credibilidade das declarações prestadas em audiência” pelas próprias testemunhas. O próprio artigo 356.º, n.º 3 fala em “avivamento da memória” “discre- pâncias ou contradições” entre as declarações prestadas pela testemunha em sede de inquérito e as prestadas em sede de julgamento. 56. “Esta leitura não permite uma utilização direta das declarações anteriormente prestadas”, o que leva a que não sejam objeto de prova e, como tal, não possam constituir base para a formação da convicção do tribunal, pois não se conseguiu apurar em que momento a testemunha disse a verdade, sendo, até normal, a extração de certidão requerida pelo MP para instauração do respetivo procedimento criminal por falsidade de depoimento. 57. Por outro lado, na pureza do princípio do contraditório (como contraditório na produção da prova) a prova resultante das declarações colhidas antes do julgamento prestadas por testemunhas que se encontram presentes em sede de julgamento não podem ser por qualquer forma admitida em julgamento como fundamento da convicção do julgador, pois as declarações cuja leitura o tribunal a quo permitiu, sem a concordância dos arguidos, não foram prestadas com observância das formalidades estabelecidas para a audiência ou perante Juiz, não existindo quanto a elas as garantias dialéticas de contraditoriedade constitucionalmente asseguradas. 58. Por outro lado, achando-se presente na audiência as testemunhas em causa, e tendo as suas declarações em sede de julgamento sido divergentes das que prestaram em se e de inquérito, jamais poderão estas e aquelas decla- rações servirem para formar a convicção do Tribunal. 59. O direito do arguido a um julgamento equitativo e justo, constitui, neste sentido, uma garantia da defesa nos termos referidos no artigo 20.º e 32.º n.º 1 da CRP. […] 63. Interpretação feita pelo Tribunal recorrido violou claramente e sem qualquer dúvida, a nosso ver, e mais uma vez, as garantias de defesa dos arguidos consagradas pelo artigo 32.º n.º 1 da CRP e o princípio do processo equitativo salvaguardado pelo artigo 20.º n.º 4 da CRP e pelo artigo 6.º da CEDH – o que desde já se alega para todos os efeitos legais. 64. Mais deve ser declarada inconstitucional da norma constante do artigo 127.º do CPP, quando inter- pretada no sentido de que o Tribunal poderá formar a sua convicção com base nas declarações prestadas por
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