TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 21.º Vale por dizer: tal como normativamente conformada, a supressão parcial da remuneração destes traba- lhadores, para além de não satisfazer integralmente fins públicos de alívio da despesa pública, permite igualmente considerar verificadas vantagens diretas e quantificáveis, em cada caso, para entidades privadas. 22.º No incomprimível imperativo de afirmação de um direito materialmente justo, que a radicação do prin- cípio da proporcionalidade indubitavelmente condensa, apresenta-se assim como manifestamente irrazoável uma medida de ablação da retribuição do trabalho, ainda que temporária, que em sobrecarga dos referidos trabalhadores não serve in totum , como a razão necessariamente impõe, o declarado fim de consolidação orçamental do lado da despesa pública, revelando-se em uma vantagem patrimonial para as entidades privadas cotitulares do capital social, no que pode ser concebido, verdadeiramente, como uma espécie de enriquecimento sem causa destas ina- ceitável em um Estado de Direito. 23.º Neste patamar de compreensão, ante a relação medida-objetivo em debate, não se antevê, conforme já referido, complexidade na avaliação da realidade que subjaz à opção legislativa em presença, sendo manifesta, repito, a radicação, no presente caso de uma medida legislativa de contenção da despesa pública. 24.º Nesse sentido e na situação específica vertente, os efeitos da norma em causa extravasam o proclamado objetivo, sendo, desse modo, contraditórios com o escopo definido, em uma solução normativa que gera tanto mais perplexidade quanto é certo, neste nosso tempo, o esforço que ainda impende ante a obrigação de consolidação orçamental, sendo incompreensível que uma medida consignada a esse efeito não prossiga integralmente o seu fim. 25.º Para tanto, bastaria a conformação em termos normativamente adequados que salvaguardasse a entrega, na sua integralidade, aos cofres públicos dos montantes correspondentes à diminuição salarial sofrida pelos traba- lhadores em causa, como exprimi na petição que apresentei a propósito de norma idêntica na Lei do Orçamento do Estado para 2014. 26.º Por outro lado, não se perde de vista que, como é também destacado peio Tribunal Constitucional (vejam- -se os Acórdãos n. os 396/11, 353/12, 187/13, 413/14 e 574/14, publicados no Diário da República , respetiva- mente, na I Série, n.º 199, de 17 de outubro de 2011, e na I Série, n.º 140, de 20 de julho de 2012, n.º 187, de 22 de abril de 2013, n.º 121, de 26 de junho de 2014, e n.º 169, de 3 de setembro de 2014), o fator determinante na aplicação da medida de redução remuneratória é a circunstância de estarem em causa remunerações pagas por dinheiros públicos a trabalhadores que se inscrevem em todas as áreas da Administração Pública. 27.º E embora não tenha sido especificamente analisada na jurisprudência constitucional a conformidade cons- titucional da redução remuneratória quando aplicada também a categorias específicas de trabalhadores que não se inscrevem na Administração Pública no seu conceito mais estrito, o Tribunal Constitucional, nos fundamentos que aduziu logo no Acórdão n.º 396/11, considerou em bloco a categoria dos que recebem por verbas públicas. 28.º Este entendimento densifica a compreensão de que nos situamos, ante a solução normativa questionada, em uma lógica de estratégia de consolidação orçamental, não sendo racionalmente admissível que uma medida, como aquela dirigida aos trabalhadores de empresas cujos capitais sejam maioritariamente públicos, extravase a referida lógica financeira. 29.º Nesse sentido, pode afirmar-se existir erro manifesto de apreciação do legislador na sua adoção, pela sua não inteira correspondência com o fim perspetivado e que justificou a determinação legislativa de reduções remu- neratórias.

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