TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
626 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que a definição desse momento se enquadra nos poderes de discricionariedade técnica pertencentes ao titular do inquérito. Ora, aquando da constituição do recorrente como arguido, o inquérito ainda não se mostrava findo, como não se mostrava findo até ao momento em que foi interposto o presente recurso. E sendo assim, não obstante o inqué- rito se ter iniciado em julho de 2013, imperioso será concluir que o facto de o recorrente não ter sido constituído arguido anteriormente a 21 de novembro de 2014, decorrente da estratégia de investigação adotada pelo titular da ação penal, não configura qualquer ilegalidade nem integra qualquer nulidade tipificada no CPP, designadamente as previstas no artigo 119.º/ c) ou no artigo 120.º/2 d) do CPP, ao invés do que é invocado pelo recorrente, não havendo preterição dos direitos de defesa e da equidade do processo. O recurso é, assim, improcedente neste particular. […] – Da nulidade da decisão por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379.º do CPP, remis- são para a promoção do Ministério Público e violação da reserva de juiz O recorrente alega falta de fundamentação da decisão recorrida invocando o disposto no art. 379.º do CPP, esquecendo, porém, desde logo, que o normativo invocado (artigo 379.º do CPP) se reporta, em exclusivo, às nulidades que se verifiquem em sentenças, e não também em decisões, como no caso sub judice , que se configuram como despachos, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea b) , do CPP. Não obstante a não aplicabilidade, assim, desse artigo 379.º, tratando-se de ato decisório, terá de ser sempre fundamentado, especificando os motivos de facto e de direito que suportam o decidido (artigo 97.º, n.º 5, do CPP), cuja inobservância é legalmente cominada com irregularidade, a cujo regime respeita o art. 123.º do CPP (cfr. artigos 118.º, n. os 1 e 2, 119.º e 120.º do mesmo Código). […] A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consa- gração no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o artigo 32.º, n.º 1, do mesmo diploma. Este princípio constitucional é extensivo a todos os ramos do direito, designadamente ao processo criminal. No âmbito deste princípio, o artigo 97.º, n.º 5, do CPP estabelece que os atos decisórios são sempre funda- mentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. O objetivo de tal dever de fundamentação é permitir ‘a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando, por isso como meio de autodisciplina’ (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal , III, Verbo, 2.ª edição, p. 294). O dever genérico de fundamentação dos atos decisórios expresso no artigo 97.º, n.º 5 do CPP, encontra par- ticular explicitação e desenvolvimento no artigo 374.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, o que se percebe dada a natureza da peça processual a que se reporta. Como qualquer despacho, até por imperativo constitucional [artigo 205.º da CRP], a decisão que declara a excecional complexidade do procedimento tem de ser fundamentada – cfr. n.º 4 do artigo 215.º do CPP, o que já decorria do citado artigo 97.º, n.º 5 –, cumprindo-se, por seu intermédio, simultaneamente, uma função de caráter objetivo – pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões – e uma função de caráter subjetivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários – cfr. Jorge de Miranda e Rui de Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , p. 71. Ora, ao invés do que defende o recorrente, não ocorre, no caso, a omissão do dever de fundamentação por- quanto o despacho em crise contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão, que é fundamentada, legal e faticamente, e esclarecedora das premissas da mesma, explicitando em termos lógicos a razão pela qual o Tribunal decidiu nos termos plasmados no despacho recorrido, cumprindo, cabalmente, tal dever, o qual, tratan- do-se de decisão interlocutória, não tem paralelo com o que é exigível na sentença, que a final conhece do mérito.
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