TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

625 acórdão n.º 684/15 Insurge-se o recorrente quanto ao momento em que foi constituído arguido. O arguido é um sujeito processual: reconhecem-se-lhe direitos e cabem-lhe também deveres (artigo 61.º CPP), e com a respetiva constituição tem os direitos, liberdade e garantias que a Constituição lhe prevê e assegura. Pretende-se com isso a consagração da verdade material, na medida em que este sujeito processual goza da proteção do direito. Para determinar a quem compete a iniciativa ou o impulso processual, tem que se considerar que tal iniciativa é tarefa estatal e ela é realizada oficiosamente, em certos casos mesmo à margem da vontade e da atuação dos par- ticulares. Em determinado tipo de crime, o Estado age oficiosamente: não necessita da participação, ou do impulso par- ticular, para que se desencadeie todo o processo de investigação, com vista a determinar quem foram os agentes e a decisão de os submeter ou não a julgamento, competindo o exercício da ação penal ao Ministério Público. E nisto se traduz o princípio da oficialidade, o caráter público da promoção processual, sendo o princípio da legalidade que domina o processo penal português, quer de um ponto de vista legal – artigos 262.º, n.º 2 e 283.º do CPP – quer de um ponto de vista constitucional – artigo 219.º da CRP, do qual resulta no seu n.º 1 ‘Ao Ministério Público compete (…) exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade (…)’. […] Ora, ‘o estatuto de arguido – tal como está definido no artigo 61.º do Código hoje vigente – é uma universa- lidade de direito e de deveres processuais (artigo 60.º), tudo enquadrado numa situação jurídica com contornos específicos. Tal estatuto é informado por várias manifestações típicas de um único direito, o de defesa e por uma situação processual específica, a decorrente da presunção de inocência (artigo 32.º, n. os 1 e 2 da Constituição’ (cfr. José António Barreiros, I Congresso de Processo Penal ). Com efeito, a CRP impõe no já citado artigo 32.º, que o processo penal assegure todas as garantias de defesa ao arguido, a quem a lei confere um estatuto de direitos e obrigações enformados pela ideia nuclear de permitir a efetividade da sua defesa no processo em que é chamado a responder. O direito de audiência é um dos aspetos do estatuto de arguido que, segundo o recorrente, no caso não podia deixar de ser assegurado ainda antes da sua constituição como arguido, e insurgindo-se quanto ao momento em que tal constituição ocorreu, por tardia, na sua perspetiva. O direito de audiência constitui, efetivamente, um dos direitos decorrentes do estatuto de arguido (art. 61.º, n.º 1, alínea b) do CPP). Traduz-se, além do mais, no direito de ser ouvido pelo tribunal ou o juiz de instrução sempre que deva ser tomada decisão que pessoalmente o afete. E estabelece o artigo 272.º, n.º 1, do CPP a obrigatoriedade de se proceder a interrogatório de arguido nos inquéritos que correm contra pessoa determinada em relação à qual haja fundada suspeita da prática de um crime, dispondo o artigo 58.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatória a constituição de arguido logo que aquela prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal. Da leitura destes normativos resulta, assim, também a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime. Apesar da imposição daquela obrigato- riedade, nada de concreto se dispõe, porém, sobre o momento preciso em que haja de ocorrer esse interrogatório. Indispensável é que ele se verifique durante o inquérito (cfr. acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2006, de 23-11-2005). Mas, ‘a injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade estadual que dirige o inquérito mas não compreende uma diretriz sobre o tempo do interrogatório do suspeito que deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito como atividade. Isto é não se encontra consagrada uma prescrição legal que obrigue ao imediato interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito’ (cfr. Dá Mesquita, Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária , pp. 105-106). Fundamental é que a constituição de arguido obedeça à já acima referida lógica nuclear de chamada a juízo de alguém contra quem se mostram reunidos pressupostos que a colocam numa posição que demanda pelo menos a possibilidade do exercício de defesa, de acordo com as previsões identificadas nos arts. 57.º a 59.º do CPP, sendo

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