TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
588 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4) o direito fundamental à identidade pessoal «abrange um direito à historicidade pessoal, um direito ao conhe- cimento e ao reconhecimento da identidade dos progenitores, mas compreende também um «direito à verdade pessoal», no sentido de que «da pessoa não se afirme o que não seja verdade, mesmo que honroso» (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 5) O direito à verdade pessoal envolve também uma dimensão relacional específica que o concretiza como direito à verdade perante o filho quanto ao vínculo familiar que os une (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 6) O direito de impugnação da paternidade está, assim, apenas, na disponibilidade direta dos membros da família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram autonomamente legitimados a intentar a ação. E não está, por isso, excluído que a situação de discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na destruição da paterni- dade presumida (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 7) Mas não são apenas interesses gerais ou valores de organização social, em torno da instituição familiar, que podem justificar a consolidação definitiva, na ordem jurídica, a partir de determinado limite temporal, de uma paternidade não correspondente à realidade biológica (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 8) Também quanto às posições subjetivas em jogo, na ação de impugnação de paternidade, se deteta uma relevante diferença em relação às que se confrontam numa ação de investigação de paternidade. Nesta, o eventual interesse do investigado em não assumir um vínculo de paternidade correspondente à realidade biológica não é merecedor de tutela, pelo menos do ponto de vista do direito à identidade pessoal e à auto-conformação da per- sonalidade, não devendo ser reconhecida “uma faculdade de o pai biológico se eximir à responsabilidade jurídica correspondente” (Guilherme de Oliveira,“Caducidade das ações de investigação”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito de Família, 2004, pp. 7 s., 11) (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 9) Já o eventual interesse daquele que é tido como filho em manter esse estatuto não pode ser inteiramente desconsiderado (como seria com um regime de imprescritibilidade). Sobretudo quando o vínculo jurídico tem tradução consistente no “mundo da vida” familiar e social, gerando, como é normal, laços afetivos, a destruição retrospetiva desse vínculo acarreta (ou agrava) a perda de sentido de uma componente nuclear da memória e da historicidade pessoais, da auto-representação de si, por parte de quem é filho. Valores também situados na esfera da identidade pessoal podem ser invocados em tutela do interesse do outro sujeito da relação paterno-filial em ver como definitivamente adquirido o estatuto de que goza, após o decurso de um certo prazo em que o pai teve efetiva oportunidade de o impugnar judicialmente (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 10) O direito à identidade pessoal do próprio filho pesa, de facto, no sentido da «proteção da verdade estabe- lecida pelo Direito, como forma de preservação de uma certa representação do ‘eu’ [perante si mesmo e perante os outros] que não pode ficar permanentemente sob ‘condição resolutiva’» (declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 589/07). Ao estabelecimento do prazo em questão é associada a «vantagem de tutelar os interesses do próprio filho em não ver indefinidamente pendente o risco de afastamento da presunção legal de paternidade» (Acórdão n.º 609/07) (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 11) Em suma, a imprescritibilidade da ação de impugnação da paternidade presumida do marido não é imposta pelo direito à identidade pessoal da mãe. O interesse da proteção da família constituída (artigo 67.º da CRP) e o direito à identidade pessoal do próprio filho (artigo 26.º, n.º 1, da CRP) pesam no sentido da estabilização do vínculo paterno-filial após o decurso de um certo prazo, em que é dada à mãe a oportunidade de o contrariar (impugnando a paternidade presumida e, antes disso, obstando a que constasse do registo de nascimento). (cfr. supra n.º 44 das presentes alegações); 12) OTribunal já se pronunciou sobre o prazo legalmente estabelecido para o pai intentar ação de impugnação da paternidade presumida [artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) , do CC] e entendeu que o prazo então previsto (dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade) e o agora vigente (três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade) «parece ser um prazo razoável e adequado à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de impugnar e que permitirá avaliar todos os fatores que podem condicionar a decisão», um prazo «suficiente para
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