TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente sublinhado que a verificação dos pressu- postos de admissibilidade do recurso para este Tribunal deve ser efetuada por referência à data de interposi- ção do recurso de constitucionalidade mediante a apresentação do requerimento respetivo no tribunal a quo e não à data da sua admissão por este, cuja decisão não vincula, aliás, o Tribunal Constitucional; e também tem vindo a rejeitar a possibilidade de sanação superveniente de obstáculos processuais ao conhecimento do recurso – designadamente por, entretanto, a decisão recorrida se ter tornado definitiva – por tal ser incompa- tível com as exigências de certeza e uniformidade que devem pautar a verificação prévia dos pressupostos pro- cessuais do recurso de constitucionalidade (Acórdãos n. os 534/04, 24/06, 286/08, 331/08, 621/08, 377/11, 117/12, 426/13, 788/13, 185/14, 355/14, 620/14, 732/14, 735/14 e 841/14). Acontece que, se o princípio da exaustão de recursos visa limitar o acesso ao Tribunal Constitucional, impondo o exame e decisão da questão da inconstitucionalidade dentro da respetiva ordem jurisdicional, essa razão de ser não cobre incidentes pós-decisórios que, podendo ser invocados a todo o tempo, não têm qualquer interferência naquela decisão. Nestes casos, nenhuma exigência decorrente da natureza objetiva ou subjetiva do recurso de constitucionalidade, do princípio da subsidiariedade da intervenção da jurisdição constitucional, ou que tenha por base razões de economia processual, justifica a necessidade de exaustão dos meios impugnatórios. A definição do conceito de “recurso ordinário” constante do n.º 2 do artigo 70.º da LTC, pese embora incluir no seu âmbito meios impugnatórios que tecnicamente não se configuram como “recursos”, como é o caso das reclamações e dos incidentes pós-decisórios, não pode ser tão extensa que abranja incidentes que, em abstrato, são insuscetíveis de alterar ou modificar a decisão recorrida. É que, nos litígios submetidos a julgamento, o reconhecimento da legitimidade processual ativa para se suscitar o incidente de inconstitucionalidade justifica-se pelo facto de ele ser um meio idóneo de defesa de posições jurídicas subjetivas. Assim configurado, ou seja, como um meio de acesso à justiça constitucional, a tutela efetiva desses interesses aponta para que a interpretação e a aplicação das normas processuais seja no sentido de favorecer o acesso ao tribunal, evitando-se situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo. Se o incidente pós-decisório tem apenas em vista a correção de um vício de caráter formal, que não tem influência decisiva na validade da decisão, pode considerar-se esgotado o poder jurisdicional quanto ao fundo ou mérito da decisão. De facto, não tendo sido solicitado o aperfeiçoamento da decisão judicial quanto a defeitos materiais ou jurídicos que têm repercussão no fundo ou mérito da decisão, pode dizer-se que, do ponto de vista material, o ato jurisdicional vale como a “última palavra” do tribunal para efeito de aplicação do princípio da exaustação de recursos. Na lógica do controlo difuso, em que todos os juízes são “juízes constitucionais” com competência para exame e decisão de questões de constitucionalidade de normas colocadas nos feitos submetidos a decisão jurisdicional (artigos 204.º e 280.º da CRP), está defini- tivamente cumprido o poder-dever de conhecer dessa questão, uma vez que a correção de um erro formal nenhuma influência terá no conteúdo da decisão proferida. Assim acontece com o incidente de retificação de erros materiais, previsto no artigo 614.º do atual CPC (que reproduz o anterior artigo 617.º) ou com a reclamação da nulidade por falta de assinatura do juiz, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (anterior artigo 668.º). Em ambos os casos, estamos perante vícios da decisão jurisdicional que podem ser corrigidos «a todo o tempo» (n.º 3 do artigo 614.º do CPC) ou «enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença» (n.º 2 do artigo 615.º do CPC), quer ex officio , quer a requerimento da parte. Diferentemente do que se passa com a falta de funda- mentação, com a contradição entre fundamentos e a decisão, omissão de pronúncia ou pronúncia indevida, a correção destes «erros materiais» ou «lapsos manifestos» não tem repercussão decisiva, nem compromete o juízo ou julgamento da matéria da causa. Por isso, no momento relevante para a aferição dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade – o correspondente à data da sua interposição – a decisão jurisdicional já é definitiva, quer quanto à matéria da causa, quer quanto à questão de constitucionalidade, não obstante os defeitos formais de que padece.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=