TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

44 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de órgãos próprios eleitos democraticamente; o poder de dispor de património e finanças próprias; o poder de dispor de um quadro de pessoal próprio; o poder regulamentar próprio; o de exercer sob responsabilidade própria um conjunto de tarefas adequadas à satisfação dos interesses próprios das populações respetivas», que «garante à administração local uma situação de não submissão em relação à administração do Estado», e constitui «aquilo a que poderíamos chamar a vertente de defesa da autonomia local» ( Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, 2013, pp. 92-93). O condicionamento ou compressão da autonomia local (nomeadamente dos seus elementos) pode apenas decorrer da lei, quando um interesse público nacional ou supralocal o justificar, e sempre com a res- salva do seu núcleo incomprimível. Efetivamente, «a autonomia municipal não pode afetar a integridade da soberania do Estado. De facto, os poderes locais também são, por natureza, limitados, pois não podem ser exercidos para além do âmbito de interesses (necessariamente locais) que os justificam, não podendo invadir espaços de deliberação ou atuação que devem permanecer reservados à esfera da comunidade nacional» (cfr. M. Lúcia Amaral, A Forma da República, Coimbra Editora, 2012, p. 385). 12. É neste contexto que deve ser entendida a autonomia local em termos de existência de «quadros de pessoal próprio, nos termos da lei» (artigo 243.º, n.º 1), sendo aplicável aos trabalhadores em funções públi- cas das autarquias o regime aplicável aos do Estado «com as necessárias adaptações, nos termos da lei» (artigo 243.º, n.º 2). Trata-se de um elemento da autonomia, constitucionalmente protegido, relacionado com o poder de auto-organização dos serviços (M. J. L. Castanheira Neves, Governo e administração local, Coimbra Editora, 2004, p. 276). A garantia de um corpo próprio de trabalhadores das autarquias, não dependentes da administração do Estado é instrumental face à execução das atribuições das autarquias visando a prossecução dos interesses próprios das respetivas populações (A. Cândido de Oliveira, ob. cit. , p. 202). Só dessa forma se garante o caráter autónomo da administração local, consagrado na Constituição. Decorre, portanto, da garantia de autonomia local que as autarquias possam assumir o papel de enti- dade empregadora pública, de forma autónoma face ao Estado, quer relativamente às relações individuais de trabalho com os trabalhadores em funções públicas, quer, na configuração atualmente existente na lei, em relação às relações coletivas, quanto à celebração de acordos coletivos de trabalho com as associações sindicais representativas dos respetivos trabalhadores. c) A contratação coletiva e o regime do trabalho em funções públicas 13. Para analisar a questão de constitucionalidade colocada pelo pedido, é necessário compreender o enquadramento dos acordos coletivos de empregador público, que constituem um instrumento de regula- mentação coletiva de trabalho previsto na LTFP. A possibilidade de recurso a estes instrumentos no âmbito das relações de trabalho da Administração Pública só foi introduzida no ordenamento português com a Lei n.º 23/2004, de 22 de junho, que regulava o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública, e apenas para os trabalhadores abrangidos por esses contratos. A generalização destes instrumentos no âmbito da Administração Pública apenas ocorreu com a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que continha os regimes de vinculação, de car- reiras e de remuneração dos trabalhadores em funções públicas, e com a Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP). Este regime veio a ser revogado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou, em anexo, a LTFP. Esta lei regula o vínculo de trabalho em funções públicas e é aplicável à administração direta e indireta do Estado e, com as necessárias adaptações, aos serviços da administração regional e da administração autár- quica (artigo 1.º, n. os  1 e 2, da LTFP). Tomando o Código do Trabalho como regime subsidiário, há matérias cujo regime, sem prejuízo das adaptações que se revelem necessárias, é totalmente regulado naquela sede (artigo 4.º da LTFP) e outras matérias «cuja especificidade justifica, quando não constitucionalmente impõe» um regime diferenciado (exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 184/XII que deu origem à LTFP).

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