TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

316 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de personalidade jurídica e se encontre, como tal, inserido na orgânica da Administração Central do Estado, é tido como um «património autónomo», dotado de «autonomia administrativa e financeira» (artigo 2.º), e com atribuições específicas na área da segurança alimentar e da saúde dos consumidores (artigo 3.º), e cujas despesas são as «resultantes dos encargos e responsabilidades decorrentes da prossecução das suas ativida- des» (artigo 5.º). A competência do diretor-geral de Alimentação e Veterinária, enquanto seu responsável máximo, é a de «gerir as receitas do Fundo, aplicando-as aos respetivos encargos» [artigo 6.º, n.º 3, alínea a) ]. É assim claro que o produto da “taxa de segurança alimentar mais”, enquanto receita do Fundo, está consignado à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respetivas atribuições e não poderá ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais. Por outro lado, o Fundo é caraterizadamente uma entidade pública infraestadual, na medida em que é definido como um património autónomo que dispõe de autonomia administrativa e financeira, o que significa que, não só pode praticar atos administrativos em matéria de administração financeira, como possui competência para utilizar formas próprias de execução e controlo de perceção das receitas e realização de despesas, o que leva a concluir que tem uma administração financeira própria e distinta da administração financeira do Estado (sobre todos estes aspetos, Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro , vol. I, pp. 152 e segs., 4.ª edição, Almedina). É quanto basta para considerar que a “taxa de segurança alimentar mais”, sendo uma contribuição especial não subsumível ao conceito de imposto ou taxa é também uma contribuição que reverte a favor de entidade pública e se enquadra na categoria de contribuição financeira a que se refere o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição. A questão que por fim se coloca é a de saber se uma contribuição financeira como aquela que se encon- tra prevista no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, pode ser criada por diploma do Governo sem autorização legislativa. Seguindo de perto o relato histórico feito no anterior Acórdão deste Tribunal com o n.º 365/08, a cria- ção de impostos foi na nossa história constitucional, apesar das incertezas manifestadas entre 1945 e 1971, após o esvaziamento da competência legislativa da Assembleia Nacional resultante da Revisão Constitucional de 1945, matéria sempre reservada à aprovação parlamentar (sobre a evolução desta competência legislativa, vide Jorge Miranda, em A competência legislativa no domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais , na RFDUL, vol. XXIX (1988), pp. 9 e segs. e Ana Paula Dourado, em O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação , pp. 50 e segs., edição 2007, Almedina). A fidelidade a esta exigência não deixa de ter justificação no princípio dos ideais liberais “ no taxation without representation ”, correspondente à ideia de que, sendo o imposto um confisco da riqueza privada, a sua legitimidade tem de resultar duma aprovação dos representantes diretos do povo, numa lógica de autotri- butação, a qual permitirá a escolha de tributos bem acolhidos pelos contribuintes e, por isso, eficazes (sobre uma mais aprofundada justificação da reserva de lei fiscal, vide Ana Paula Dourado, na ob. cit. , pp. 75-84). Foi esta a opção da Constituição de 1976, que deixou de fora desta exigência as taxas [sobre esta opção, vide o Parecer da Comissão Constitucional n.º 30/81, in Pareceres da Comissão Constitucional , 17.º volume, p. 91, da edição da INCM, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/87, e Casalta Nabais, em Juris- prudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal , no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra n.º 69 (1993), pp. 407-408]. Os termos do texto constitucional, antes da Revisão operada em 1997, suscitavam uma representação dicotómica dos tributos, pelo que a doutrina e a jurisprudência procuravam equiparar os apelidados tributos parafiscais à categoria dos impostos, ou das taxas, para concluírem se a sua criação estava ou não sujeita ao princípio da reserva de lei parlamentar. No que respeita às contribuições cobradas para a cobertura das des- pesas de pessoas coletivas públicas não territoriais, assumia algum relevo a posição de as incluir na categoria dos impostos, exigindo que a sua previsão constasse de lei aprovada pela Assembleia da República (vide, neste sentido, Alberto Xavier, em Manual de direito fiscal , vol. I, pp. 73-75, da edição de 1974, Jorge Miranda, na ob. cit., p. 22-24, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1239/96, relativo à taxa devida à Comissão

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