TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
301 acórdão n.º 517/15 Não obstante a aludida problematicidade, parece-nos que, como referem Rui Medeiros e António Cor- tês, mesmo em relação às pessoas coletivas se deve considerar que existe um direito à vida privada, por tal direito se ajustar à particular natureza e às especificidades destas entidades. Assim, por exemplo, os segredos da indústria ou do comércio, as especificidades da organização e funcionamento devem ser enquadrados como componentes de uma esfera de sigilo, protegido pela ordem constitucional, em ordem a salvaguardar, desde logo, uma “equilibrada concorrência entre as empresas”, erigida como incumbência prioritária do Estado, nos termos da alínea f ) do artigo 81.º da Constituição (cfr. Rui Medeiros e António Cortês, anota- ção ao artigo 26.º, in Miranda, Jorge e Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010). Pelo exposto, na parte que aqui nos interessa, não apenas a informação bancária dos administradores ou gerentes do contribuinte, pessoa coletiva, como igualmente a informação bancária desta última se pode considerar abrangida pelo direito à reserva da vida privada. 12. Delineados os contornos dos deveres e direitos constitucionais aqui em confronto, coloca-se a ques- tão de saber até que ponto é admissível a imposição de autorização de acesso a elementos protegidos pelo sigilo bancário, plasmada no segmento normativo aqui em análise. Sobre esta matéria já se debruçou o anteriormente mencionado Acórdão n.º 145/14, cujo objeto de recurso coincide com o objeto destes autos, razão por que seguiremos, de perto, a respetiva fundamentação. Começa-se, nesse aresto, por rebater a argumentação da recorrente, assente na possibilidade de transpo- sição dos argumentos utilizados no Acórdão n.º 442/07 para a presente situação. A este propósito, aí se refere o seguinte: «(…) a situação versada no acórdão n.º 442/07 não é inteiramente coincidente com a do presente processo. Ali discutia-se, na situação de reclamação graciosa ou de impugnação judicial de atos tributários, a possibilidade de a Administração Fiscal aceder diretamente e, por isso, sem o consentimento prévio do interessado e sem necessi- dade de autorização judicial, a informação coberta pelo sigilo bancário, desde que esse acesso se mostre justificado perante os factos alegados pelo reclamante ou impugnante e desde que a informação bancária esteja relacionada com a situação tributária objeto da reclamação ou impugnação. No caso vertente, ainda que esteja em causa um procedimento tributário que é também da iniciativa do sujeito passivo – e que constitui uma faculdade garantística dos contribuintes –, ele destina-se especificamente a efetuar a prova relevante para a fixação da matéria tributável relativamente à liquidação do imposto, e não implica o acesso direto à informação bancária, antes pressupondo um consentimento expresso do interessado mediante a concessão de autorização, a qual deve ser junta ao requerimento.» Analisando a questão de saber se a exigência, imposta pelo n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, restringe e em que termos o direito à privacidade, refere o indicado aresto: «Como se considerou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/07 (…) na linha de anterior jurispru- dência, o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República. (…) Para além disso, reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes. Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (Acórdão n.º 42/07) e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (Acórdão n.º 278/95).
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