TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11. Assente que a necessidade de garantir um sistema fiscal eficaz, quanto à efetiva tributação do ren- dimento real das empresas, e justo, na medida em que assegure uma distribuição equitativa do peso dos impostos, demanda o acesso a informações bancárias, impõe-se analisar o estatuto constitucional do sigilo bancário, reiterando, para esse efeito, as considerações expendidas no Acórdão n.º 442/07 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ): «(…) Das três manifestações em que se fraciona o conteúdo do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar – direito à solidão, direito ao anonimato, e autodeterminação informativa – é esta última a sua expressão cimeira e mais relevante, e aquela que particularmente nos interessa quando está em causa o estatuto constitucional do sigilo bancário. Por autodeterminação informativa poderá entender-se o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada. Compete a cada um decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar. (…) A posição económica de cada um não deixa de ser uma projeção externa da pessoa, constituindo um dado indivi- dualizador da sua identidade. E o sujeito pode ter, também no plano pessoal, um interesse tutelável, e tutelável consti- tucionalmente, a que, não só o montante e o conteúdo do seu património, mas também certas vicissitudes, favoráveis e desfavoráveis, que ele pode experimentar (saída de um prémio de um jogo, recebimento de uma herança, encargos com uma determinada opção de vida, por exemplo) sejam mantidos fora do conhecimento dos outros. Não custa, assim, admitir “uma esfera privada de ordem económica, também merecedora de tutela” (Alberto Luís, Direito bancário, Coimbra, 1985, p. 88), como componente da mais geral esfera da privacidade. No caso particular dos dados e documentos na posse de instituições bancárias, concernentes às suas relações com os clientes, há um argumento suplementar, que cremos decisivo, nesse sentido. Mormente no que respeita às operações passivas de movimentação da conta, não é apenas, nem é tanto, o conhecimento da situação patrimonial, em si mesma, que pode ser intrusivo da privacidade. O que sobremaneira importa é o facto de esse conhecimento, numa época em que se vulgarizou e massificou a realização de transações através dos movimentos em conta, desig- nadamente pela utilização de cartões de crédito e de débito – o chamado “dinheiro de plástico” – propiciar um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respetivo titular. É sobretudo como instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal, de natureza não patrimonial, que, de outra forma, seriam indiretamente revelados, que o sigilo bancário deve ser constitucionalmente tutelado. Na verdade, como se disse no processo decidido peloTribunal Constitucional espanhol, pelo acórdão 110/1984, de 26 de novembro, «uma conta-corrente pode constituir ‘a biografia pessoal em números’ do contribuinte» (apud Pisón Cavero, El derecho a la intimidade en la jurisprudencia constitucional, Madrid, 1993, p. 179). Conclui-se, assim, que o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República. (…) o conteúdo do direito à reserva, contrariamente ao que o termo inculca, abrange não só a não difusão de dados, mas também a própria tomada de conhecimento. O acesso, em si mesmo e para prevenir a posterior divul- gação, também está protegido (cfr., por todos, Paulo Mota Pinto, “A proteção da vida privada e a Constituição”, in Boletim da Faculdade de Direito, LXXVI (2000), 153 s., p. 169).» Ora, como se reconhece no citado aresto, e se reafirmou no Acórdão n.º 145/14, desta Secção, a inclusão do bem protegido pelo sigilo bancário no âmbito de proteção do direito à vida privada, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República, apenas é “problemática em relação às pessoas coletivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações fundamentadoras acima aduzidas, que se apoiam na possibilidade de acesso à esfera mais pessoal.”
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