TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 14. É pacífico que a liberdade de escolha de profissão consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição se apresenta como um direito fundamental complexo, que integra, ao lado de direitos de defesa contra a imposição ou impedimento da escolha ou exercício de uma dada profissão, direitos a prestações conexiona- das com o direito ao trabalho e com o direito ao ensino, como o direito à obtenção das habilitações neces- sárias para o exercício da profissão, os direitos ao ingresso e à progressão nela e o direito ao livre exercício da mesma profissão (cfr. por exemplo, os Acórdãos n. os 155/09 e 94/15; na doutrina, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anots. I e segs. ao artigo 47.º, pp. 653 e segs.; e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anots. III e segs. ao artigo 47.º, pp. 965 e segs.). Por outro lado, e como resulta expressamente da parte final do preceito que a consagra, tal liberdade encontra-se sob reserva das “restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua [– do respe- tivo titular –] capacidade”. Trata-se, portanto, de um dos casos a que se reporta o artigo 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição, pelo que tais restrições ou condicionamentos legais, sejam de índole objetiva ou subjetiva, são admissíveis, desde que justificados em função de interesses constitucionalmente relevantes e desde que não sejam excessivos. Na verdade, as limitações em causa podem revestir “natureza e intensidade muito diversas, devendo o crivo da proporcionalidade ser tanto mais exigente quanto mais intrusiva for a restrição legal” (vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I cit., anot. VII ao artigo 47.º, p. 971; sobre a limitação diferenciada da liberdade de conformação do legislador neste domínio, em especial apelando à chamada «teoria dos degraus» desenvolvida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Fede- ral alemão, vide além destes Autores, ibidem , pp. 969-971; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, cit., anot. V ao artigo 47.º, pp. 656-657; e Rogério Ehrhardt Soares, “A Ordem dos Advogados. Uma Corporação Pública” in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124.º, pp. 228-230). 15. Estas mesmas regras valem igualmente – ou, porventura, até por maioria de razão (cfr. o Acórdão n.º 44/84) – para o direito de acesso à função pública previsto no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição: por corresponder a um “direito subjetivo pessoal, não [está] o exercício de funções públicas sujeito a requisi- tos materialmente distintos daqueles que condicionam, em geral, a liberdade de profissão” (assim, vide o Acórdão n.º 340/92). Tal direito, formal e sistematicamente autonomizado do acesso a cargos públicos na Revisão Constitucional de 1982 (cfr., de novo, o Acórdão n.º 44/84), compreende, segundo a formulação do Acórdão n.º 53/88: «(…) a) O direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outros motivos que não seja a falta dos requisitos adequados à função ( v. g. idade, habilitações académicas e profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em fatores irrelevantes, nem por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos n. os 371/89, 157/92, 340/92, 683/99, 368/00, 406/03, 61/04 e 491/08) Como por outro lado sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, “o direito de acesso à função pública não reveste a mesma natureza da liberdade de profissão [já que a] função pública é somente o meio pelo qual muitas profissões podem ser exercidas ao serviço do Estado e demais entidades públicas. As mesmas profissões podem ser exercidas no sector privado ou na função pública, embora certas profissões sejam exclusivas do sector público […] ou do sector privado […]. Funcionário público não é uma profissão, mas somente um

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