TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

261 acórdão n.º 509/15 uma destas técnicas não deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de direito. É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a defini- ção de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º, n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui. Dito isto, resta concluir que o facto de não haver uma proibição constitucional explícita de, noutros casos, se recorrer às formas graduais e muito variáveis de «retroatividade própria» ou «imprópria» não significa que o recurso a qualquer uma destas formas esteja sempre e em qualquer circunstância à disposição do legislador ordinário. O princípio segundo o qual o poder legislativo está genericamente habilitado pela Constituição a atribuir às suas decisões, por diferentes formas e em diferentes graus, eficácia para o passado, conhece limites. E estes decorrem da necessária convivência entre este princípio e o princípio do Estado de direito, na sua dimensão de «segurança jurídica» (vide o Acórdão n.º 575/14). No Acórdão n.º 287/90, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroatividade inautêntica, retrospe- tiva». De acordo com essa jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma muta- ção da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da pro- porcionalidade). E, como se disse no Acórdão n.º 128/09, os dois critérios enunciados são finalmente reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”, que são de verificação sucessiva e cumulativa. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança, é necessário, em primeiro lugar, que os poderes públicos (mor- mente aqueles que detêm competências normativas) tenham encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade dos comportamentos geradores de expectativas; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do ou dos com- portamentos que geraram a situação de expectativa (sobre este modelo de «testes», vide, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 188/09, 187/13, 862/13, 575/14 e 241/15). O princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabi- lidade da ordem jurídica e na constância da atuação dos poderes públicos. Segundo a prática do Tribunal sintetizada no Acórdão n.º 575/14, a aplicação daquele método a um caso concreto pressupõe, antes do mais, que se determine, com precisão, se, nesse caso, a norma sob juízo fez protrair os seus efeitos sobre o passado e com que grau de intensidade o fez. Na circunstância de ser positiva a resposta a esta questão, haverá ainda que valorar à luz da Constituição as “expectativas” dos particulares, que

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