TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

259 acórdão n.º 509/15 […] Ora, há que primeiramente ter presente que antes da introdução e sobretudo da implementação da aqui controversa prova de avaliação de conhecimentos, já estava em vigor a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, alterada pelas Leis n. os 115/97, 49/2005 e 85/2009), [cujo artigo 34.º regula a for- mação inicial dos educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário e indica como centros de formação as escolas superiores de educação e os estabelecimentos de ensino universitário. Em especial, o n.º 1 desse preceito estabelece o seguinte: “Os educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário adquirem a qualificação pro- fissional através de cursos superiores organizados de acordo com as necessidades do desempenho profissional no respetivo nível de educação e ensino”. Deste enquadramento legislativo resulta que se consagrou expressamente e através de lei que a qualificação profissional das diferentes cambiantes da docência referidos no n.º 1 do artigo 34.º do diploma citado é feito “[…] através de cursos superiores organizados de acordo com as necessidades do desempenho profissional no respetivo nível de educação e ensino […]”. Ora, a dita qualificação como educadores de infância e professores do ensino primário e secundário é reconhecida a todos os que obtenham a aprovação em cursos devidamente homologados para o efeito. Dito de outro modo, as sobreditas qualidades profissionais são já previamente atestadas pelos cursos de ensino superior que devidamente homologados, confiram o respetivo grau académico, grau este que por si só habilita os respetivos destinatários para a docência. Estas qualidades, por si só, garantem a possibilidade de ingresso na carreira docente, sendo apenas lícito ao legislador estabelecer os contornos quanto ao modus de adquirir as sobreditas competências no âmbito e aquando do processo de formação superior dos professores (ou seja, ex ante e não ex post , uma vez que o ponto de referência é o da formação para a carreira docente e não o respetivo ingresso). Porém o legislador criou a aludida prova de conhecimento sendo seus destinatários todos aqueles que, à par- tida, estariam qualificados como educadores de infância e professores. Ao fazê-lo, patentemente, criou-se um novo obstáculo ao ingresso no quadro público para exercício da docência, obstáculo este não expectável não só para aqueles que já haviam terminado a respetiva qualificação universitária, mas também para aqueles que ingressaram na respetiva formação académica com o fito de alcançarem a sobredita inserção no quadro. Ora, tal apontado obstáculo foi erigido ao arrepio de legítimas expectativas de cidadãos que contavam ser con- siderados já aptos para o exercício de uma profissão, sem que especiais razões de interesse público o justificassem. Acresce que o Estado atua de forma contraditória, agindo em abuso de direito sob a forma de venire contra factum proprium, quando, por um lado, reconhece competências para as instituições de ensino superior formarem cabal- mente os futuros docentes e, por outro, os sujeita a um exame para os inserir no quadro […]. Ou seja, substitui-se um longo processo de formação, reconhecido e homologado, a que correspondem opções fundamentais de vida, por um exame que, na expressão justificativa [do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 15/2007], “não dê margem para dúvidas”, sendo que se fica igualmente sem se saber que dúvidas serão estas. Acresce que, se as ditas dúvidas há, as mesmas, quiçá, incidirão sobre o processo formativo e de qualificação ao nível superior dos docentes, cujo ónus de verificação e fiscalização cabe, sobretudo, ao Estado para que se cumpram os necessários ditames de qualidade na qualificação dos docentes. […] [Reconhecendo embora que a matéria da qualificação dos docentes não se encontra no universo de matérias que tenha de estar, obrigatoriamente, no âmbito da lei de bases – matérias essas que, segundo o acórdão recorrido, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 38/84, abrangem, além da estrutura dos sistema escolar, aquelas de que fala o artigo 74.º da Constituição –, o tribunal a quo reitera que a previsão constante do artigo 34.º dessa lei] não é inócua, gerando legítimas expectativas quanto ao ingresso no quadro de docentes, expectativas estas dignas de proteção num Estado de Direito Democrático.

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