TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

25 acórdão n.º 408/15 acertamento”. Esta decisão não merece, à partida, censura constitucional – o problema coloca-se quanto à sua produção de efeitos, ou seja, na sua vigência também relativamente a documentos que já possuíam valor de título executório. 12. Prosseguindo a mudança, em si mesma, um objetivo legítimo, o princípio da proteção da confiança requer a apreciação do modo como ela foi introduzida no ordenamento. O peso de uma posição de confiança é-nos dado pela relevância do interesse afetado e pela intensidade lesiva dessa afetação. Quando está em causa uma norma processual – ou, pelo menos, uma norma relativa ao modo de realização dos direitos –, a intensidade lesiva da afetação da posição jurídica atinge o seu grau máximo quando se apresenta como irreversível, colocando os cidadãos numa situação de indefesa inultra- passável e, por isso mesmo, constitucionalmente insuportável. Para além dessas situações extremas, podem verificar-se situações em que da ponderação devida resulte que o particular peso da confiança legítima dos cidadãos não foi adequadamente acautelado ou que o peso relativo do interesse público em causa não justi- fica aquela medida de afetação – em especial perante outras vias para prosseguir o mesmo interesse, menos lesivas e igualmente eficazes. No caso das normas em análise não pode dizer-se que o credor perca acesso à execução por força da situação gerada com a mutação legislativa e que, com isso, fique impedido da defesa e exercício do seu direito. Na verdade, ao credor restam sempre alternativas processuais para realização do seu direito: a obtenção de um título pela via geral da ação declarativa, ou, no âmbito em que é admitido, o recurso à via simplificada do procedimento de injunção. De facto, a disponibilidade deste mecanismo, pelo credor-exequente, terá pesado fortemente na opção legislativa de revisão restritiva do elenco dos títulos executivos, como se pode retirar da exposição de motivos da referida Proposta de Lei n.º 113/XII, que veio dar origem à Lei n.º 41/2013. Todavia, em concreto, cumpre ponderar se havia margem para acautelar as expetativas legítimas dos sujeitos ativos de obrigações formalizadas em documentos particulares desqualificados como títulos exe- cutivos e, em caso afirmativo, se a proteção obedeceu aos ditames da “justa medida”. No que diz respeito especificamente ao procedimento de injunção, deve ser referido que, para além de este nem sempre se revelar possível, a sua máxima garantia de simplicidade e celeridade (com dispensa de processo declarativo) fica necessariamente nas mãos do devedor, que, mediante oposição ao pedido, pode sempre “forçar” a mediação de um processo declarativo (ainda que simplificado). De modo ainda mais evidente, a exigência de recorrer primeiramente à ação declarativa pode colocar o credor em dificuldades sérias, ou mesmo na impossibili- dade, de efetivar o seu crédito. Não se pode ignorar que, na realidade factual das situações geradas pelo não cumprimento voluntário de uma obrigação, estando o credor desprovido da garantia da penhora, a inerente “volatilidade” dos bens do devedor propicia estratégias que deixam sem objeto a execução. É de concluir que a intensidade do dano da confiança infligido pela aplicação imediata da lei nova não se deve medir apenas pela maior morosidade na satisfação do crédito, mas também pelo risco, muito acrescido, de perda de eficácia da ação executiva. 13. Na presente situação, do regime transitório constante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013 não decorre uma acomodação ajustada dos interesses em presença, pois dele resulta uma lesão particularmente intensa da confiança legítima do particular – que perde o título executivo que possuía e de acordo com o qual tinha feito planos de vida, com base na lei – para prosseguir um interesse público que, embora relevante, poderia ser igualmente alcançado de forma eficaz através de meios menos lesivos. A previsão pelo legislador de um autêntico regime transitório, quer formal, quer material, tutelador das posições de confiança alicerçadas na lei antiga, depende de uma ponderação muito específica entre os prejuízos que daí podem advir para a realização da finalidade da alteração legislativa e os prejuízos para os interesses particulares afetados decorrentes do novo regime e da não previsão de um regime transitório. Pode argumentar-se que a intenção legislativa de evitar as execuções injustas e de diminuir o número de ações exe- cutivas não precedidas de contraditório afasta ou enfraquece a possibilidade de sobrevigência da lei antiga,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=