TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
246 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III. Ora, o n.º 2 do artigo 47.º da CRP mais não faz do que completar o quadro normativo constitucional, refe- rente ao funcionalismo público, estabelecendo restrições à liberdade de escolha de profissão, em nome do interesse público que cabe à Administração Pública prosseguir. IV. A exigência da regra do concurso público, sendo o meio mais adequado de assegurar a igualdade de acesso, vai mais além, assegurando o próprio direito à função pública, baseado numa cultura de meritocracia na Administração Pública. V. É que, o concurso, sendo a forma de recrutamento mais apta para garantir a igualdade de acesso, é ele próprio limitador desse mesmo acesso, já que a lei estabelece requisitos de mérito, aptidão e capacidade dos candida- tos recrutáveis, visando as escolhas mais adequadas para as funções a desempenhar. VI. Naquele preceito constitucional impõe-se recrutar pelo mérito, avaliar e premiar o desempenho, motivando e exigindo imparcialidade, dedicação e responsabilidade, por forma a constituir um corpo profissionalizado de trabalhadores que, com continuidade, promovam o interesse público. VII. O estabelecimento de requisitos de admissão ou seleção para avaliar se, e em que medida, os candidatos têm os conhecimentos e as capacidades necessárias ao exercício da função a desempenhar, nos termos previstos e exigidos pelo n.º 2 do artigo 47.º, ao estabelecer a regra do concurso, não pode ser entendido como restrição a um direito, liberdade e garantia, para efeitos do n.º 2 do artigo 18.º da CRP. VIII. No entanto, mesmo que assim não se entendesse, ainda assim, o interesse público inerente à exigência do requisito de aprovação na prova, para efeitos de concurso de acesso à função pública, sempre representaria uma limitação admissível à aludida liberdade de escolha da profissão, consagrada no segmento final do no n.º 1 do artigo 47.º da CRP. IX. Seja qual for a relevância que se entenda atribuir, entre nós, à teoria dos degraus, aplicada pelo Tribunal Cons- titucional Federal Alemão, ela permite, pelo menos, tornar claro que a liberdade de escolha e de exercício de profissão, por força do seu âmbito complexo de proteção, pode ser sujeita a restrições de natureza e intensi- dade muito diversas, devendo o crivo da proporcionalidade ser tanto mais exigente quanto mais intrusiva for a restrição legal. X. Assim, é admissível a ingerência do legislador no estabelecimento de requisitos subjetivos no acesso a uma profissão, desde que o bem coletivo a salvaguardar com essa restrição seja particularmente importante e que os pressupostos subjetivos sejam proporcionais relativamente ao interesse público prosseguido. XI. Pela importância que reveste para o processo de aprendizagem dos alunos, para a qualidade do ensino e qua- lificação do corpo docente, a prova tem uma importância decisiva para o sistema educativo e, nessa medida, para o interesse público. XII. Com efeito, os artigos 7.º e 9.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, estabelecem como objetivos dos ensinos básico e secundário assegurar o domínio de conhecimentos e de suporte cognitivo, ou seja, de qualidade na aprendizagem, essencial ao sucesso escolar e integração na vida ativa. XIII. Para esta qualidade da aprendizagem, absolutamente necessária ao sucesso escolar, torna-se imperioso que o sistema educativo assegure que aos profissionais que as ministram sejam escrutinadas as competências e capacidades para prosseguir a tarefa fundamental do Estado consubstanciada no direito à educação. XIV. Desta forma, os candidatos ao exercício de funções docentes devem encontrar-se dotados, pela importância e relevância social dessas funções e consequente especificidade da atividade docente, de conhecimentos, com- petências e capacidades que vão para atém da sua formação inicial. XV. Por essa mesma ordem de razões, ninguém põe em causa a constitucionalidade da obrigatoriedade da prova de avaliação de conhecimentos para todos os candidatos que pretendam aceder à Função Pública, nos termos que têm sido estabelecidos nos artigos 19.º a 22.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, na alínea a) do n.º 1 do artigo 53.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 36.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho. XVI. Prova, essa, para a qual o legislador foi indiferente a qualquer habilitação ou experiência profissionais dos candidatos.
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