TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – Ao longo das últimas décadas tem-se assistido a sucessivas iniciativas legislativas de alargamento do rol de títulos executivos, existindo um comportamento consistente do legislador num determinado sentido, face ao qual a presente norma representa um volte-face, o que torna inevitável um exercício de ponderação que tem, num dos seus pólos, o interesse dos credores em ver protegida a confiança que legitimamente depositaram na não alteração do ordenamento jurídico, e no outro, o interesse público que subjaz à alteração. V – Neste âmbito, o Tribunal Constitucional deve confrontar o peso relativo da posição de confiança, afetada por uma mutação legislativa, com as razões que motivaram a alteração identificáveis como interesse público: combater o risco de proliferação de ações executivas injustas; ora, neste caso, o inte- resse identificado é inteiramente legítimo e escapa a qualquer censura constitucional, por outro lado, quanto ao peso relativo do interesse público em causa, o legislador entendeu, dentro do seu espaço de liberdade, que importava inibir, de forma proibitiva, a própria instauração de execuções baseadas em documentos particulares a que não atribuiu o necessário valor “de acertamento”, decisão que não merece, à partida, censura constitucional – o problema coloca-se quanto à sua produção de efeitos, ou seja, na sua vigência também relativamente a documentos que já possuíam valor de título executório. VI – Prosseguindo a mudança, em si mesma, um objetivo legítimo, o princípio da proteção da confiança requer a apreciação do modo como ela foi introduzida no ordenamento; no caso das normas em análi- se não pode dizer-se que o credor perca acesso à execução por força da situação gerada com a mutação legislativa e que, com isso, fique impedido da defesa e exercício do seu direito pois, na verdade, ao credor restam sempre alternativas processuais para realização do seu direito: a obtenção de um título pela via geral da ação declarativa, ou, no âmbito em que é admitido, o recurso à via simplificada do procedimento de injunção. VII – Todavia, no que diz respeito especificamente ao procedimento de injunção, para além de este nem sempre se revelar possível, a sua máxima garantia de simplicidade e celeridade (com dispensa de processo declarativo) fica necessariamente nas mãos do devedor, que, mediante oposição ao pedido, pode sempre “forçar” a mediação de um processo declarativo (ainda que simplificado); de modo ain- da mais evidente, a exigência de recorrer primeiramente à ação declarativa pode colocar o credor em dificuldades sérias, ou mesmo na impossibilidade, de efetivar o seu crédito, pelo que é de concluir que a intensidade do dano da confiança infligido pela aplicação imediata da lei nova não se deve medir apenas pela maior morosidade na satisfação do crédito, mas também pelo risco, muito acrescido, de perda de eficácia da ação executiva. VIII – Na presente situação, do regime transitório constante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013 não decor- re uma acomodação ajustada dos interesses em presença, pois dele resulta uma lesão particularmente intensa da confiança legítima do particular – que perde o título executivo que possuía e de acordo com o qual tinha feito planos de vida, com base na lei – para prosseguir um interesse público que, embora relevante, poderia ser igualmente alcançado de forma eficaz através de meios menos lesivos. IX – A previsão pelo legislador de um autêntico regime transitório, quer formal, quer material, tutelador das posições de confiança alicerçadas na lei antiga, depende de uma ponderação muito específica entre os prejuízos que daí podem advir para a realização da finalidade da alteração legislativa e os prejuízos para os interesses particulares afetados decorrentes do novo regime e da não previsão de um regime transitório, e embora se possa argumentar que a intenção legislativa de evitar as execuções injustas e

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