TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
177 acórdão n.º 412/15 É esta contextualização processual com vista à compreensão da globalidade do regime jurídico aplicável aos recursos em processo penal que se fará de seguida. 13. Com esse objetivo, é necessário atender à fluidez de regimes dos recursos em processo penal, que sofreu um número considerável de alterações. Efetivamente, o enquadramento normativo do regime de recursos em processo penal e a limitação do acesso aos tribunais superiores conheceu uma evolução signifi- cativa desde a aprovação do Código de Processo Penal atual em 1987. Vejamos: 13.1. No Código de Processo Penal de 1987 só era admitido um grau de recurso, estabelecendo-se uma divisão “horizontal” de competências entre as Relações e o Supremo Tribunal de Justiça: do tribunal singular recorria-se para as primeiras; do tribunal coletivo e do tribunal de júri recorria-se para o Supremo (artigos 427.º e 432.º). Mais se consagrava a configuração do recurso restrito à matéria de direito (quer para as Rela- ções, quer para o Supremo Tribunal de Justiça) como um recurso alargado (artigos 433.º e 410.º, n. os 2 e 3). Esta revista alargada podia ter também como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto, a contradição insanável, o erro notório na apreciação da prova e a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada (artigos 433.º e 410.º). No recurso de facto, apenas previsto para as decisões do juiz singular, consagrava-se a possibilidade da renovação de prova na 2.ª instância bem como a possibilidade de reenvio para novo julgamento. A circunstância de o recurso ser interposto de uma decisão proferida pelo tribunal singular justificava a sua reapreciação por um tribunal colegial segundo as regras tradicionais da apelação. Diferentemente, assegu- rada a colegialidade do tribunal no julgamento de 1.ª instância, garantido o contraditório e obtida a imedia- ção, o recurso reassumia a característica vincada de remédio jurídico, em que o mecanismo de reapreciação dos factos se reconduzia a uma mera válvula de segurança. Daí que se justificasse o recurso diretamente para o mais elevado órgão jurisdicional conferindo-lhe instrumento para detetar e diligenciar pela correção de situações indicadoras de verificação de erro judiciário (sobre a temática, vide José Narciso da Cunha Rodri- gues, “Recursos”, in Jornadas de Direito Processual Penal, O novo Código de Processo Penal, Almedina, 1989, pp. 393-394). Certo é que a renovação da prova apenas era consentida nas Relações, quando se verificasse insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova e houvesse razões para crer que a renovação da prova pudesse evitar o reenvio (artigo 430.º, n.º 1), sendo o próprio tribunal ad quem que fixava, sem possibilidade de recurso, os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância podia ser renovada (artigo 430.º, n.º 2). Em consequência deste regime, fixada a matéria de facto em 1.ª instância, apenas deficiências muito graves e improváveis verificadas na interpretação jurídica poderiam transmutar uma absolvição numa conde- nação (e muitas vezes apenas por via do reenvio), o que justificava a reduzida expressão que tinha o recurso em matéria de facto e tornava improvável uma inversão do sentido da decisão pelas Relações (vide Sandra Oliveira e Silva, “As alterações em matéria de recursos, em especial a restrição de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça – Garantias de Defesa em perigo?”, in As alterações de 2013 aos Códigos Penal e de Processo Penal: uma Reforma «cirúrgica»?, organização de André Lamas Leite, Coimbra editora, 2014, p. 274, nota 31). 13.2. A Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, viria alterar este regime. Visando possibilitar o recurso em maté- ria de facto das decisões do tribunal coletivo, introduziu o duplo grau de recurso, passando assim a admitir- -se um primeiro recurso para a Relação das decisões do tribunal coletivo (incluindo a matéria de facto) e um segundo recurso da decisão de 2.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça [artigos 400.º, n.º 1, alínea f ) , 427.º, 428.º, n.º 1 e 432.º, alínea b), do CPP]. A admissibilidade do duplo grau de recurso foi, no entanto, mitigada pela introdução de fatores de limitação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça baseados na gravidade da pena e na regra da “dupla conforme”.
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