TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

123 acórdão n.º 595/15 Fundamentam assim o seu pedido: «I – Do alargamento do universo dos compartes 1. Antes da entrada em vigor da Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro, estabelecia o n.º 3 do artigo 1.º da Lei dos Baldios que se consideravam compartes, pertencentes ao universo que compõe a comunidade local que possui e gere os baldios, «os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio». 2. Ou seja, a Lei dos Baldios estabelecia como critério diferenciador relevante para estabelecer o estatuto de comparte, o direito ao uso e à fruição decorrente dos usos e costumes associados a determinado baldio. 3. O novo n.º 3 do artigo 1.º introduzido pela Lei n.º 72/2014, de 02 setembro, vem desvirtuar o conceito anteriormente definido, viabilizando o alargamento do estatuto de comparte a «todos os cidadãos eleitores, inscri- tos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos baldios ou que aí desenvolvem uma atividade agroflorestal ou silvopastoril». 4. Significa esta alteração que bastará a partir de agora a residência e inscrição como eleitor em determinado território para que daí resulte a atribuição de um estatuto de comparte e a pertença a uma comunidade, indepen- dentemente dos usos e costumes estabelecidos relativamente à posse e fruição do baldio em causa, ou sequer do exercício de qualquer atividade agroflorestal ou silvopastoril. 5. Como se sabe, do ponto de vista constitucional, desde a constituinte de 1976, os baldios consideram-se integrados no setor cooperativo e social, sendo qualificados atualmente como «meios de produção comunitários possuídos e geridos por comunidades locais», conforme dispõe o artigo 82.º n.º 4 alínea b) da CRP. 6. Mediante a alteração em causa, o legislador optou por interferir no direito próprio e histórico das comu- nidades locais que possuíram e usufruíram de determinado terreno baldio, impondo o alargamento potencial do universo de compartes anteriormente estabelecido, violando o sentido do disposto naquela norma constitucional que salvaguarda a gestão e posse dos baldios alicerçada estritamente em critérios consuetudinários e não em crité- rios legais artificiais. 7. Esta parece ter sido também a orientação subjacente ao Acórdão n.º 325/89 do Tribunal Constitucional no qual se considerou que: «Os baldios, como bens comunitários que são, pertencem às comunidades locais que deles têm a posse útil e gestão». 8. Também o Acórdão n.º 240/91 do Tribunal Constitucional preconizou que: «A constitucionalização expressa desses meios de produção comunitários torna claro que se visou dar guarida jurídico-constitucional a uma categoria de bens (meios de produção) incluídos no setor cooperativo e social, subjetivamente imputáveis a título de propriedade, posse e gestão a certas e determinadas comunidades locais». 9. Acrescentando ainda: «Estes meios de produção são imputáveis, quanto à titularidade-dominial, a uma cole- tividade-comunidade de habitantes que não se confunde com as coletividades territoriais autárquicas. Esta titula- ridade dominial é dos «povos», «utentes», «vizinhos» ou compartes e não já das freguesias ou grupos de freguesias.» 10. Ora, a alteração legislativa sub judice vai assim no sentido contrário desta interpretação do Tribunal Cons- titucional, vinculando o universo dos compartes à realidade territorial autárquica quando define como requisito admissível para a aquisição do estatuto de comparte, o mero vínculo de inscrição como eleitor e a residência na comunidade local em que o baldio se situa, desconsiderando a titularidade-dominial anteriormente constituída relativamente a esse mesmo baldio através do respetivo uso e usufruto ou, utilizando as palavras da douta jurispru- dência constitucional, a respetiva «posse útil e gestão». 11. Permitir-se-á, desta feita, que aquele que nenhuma relação manteve com o baldio, de uso ou usufruto, se torne comparte, lado a lado e com os mesmos poderes do que aqueles que constituíram ao longo de anos um costume sobre o uso e fruição desse mesmo baldio. 12. Nomeadamente, fazendo parte da assembleia de compartes que decide, ainda que por maioria qualificada de dois terços dos membros presentes, situações tão relevantes para o destino do baldio como a alienação, o arren- damento (decorrente da alteração de 2014), a cessão de exploração ou mesmo a sua extinção.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=