TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
114 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL suprimem a posse útil e/ou os poderes de autogestão que, relativamente a tais bens, a Constituição atribui às correspondentes comunidades locais. III – Atentando na evolução do conceito de comparte à luz da sucessão dos regimes legais incidentes sobre os baldios, verifica-se que o mesmo foi sendo continuamente ampliado, consistindo o problema de constitucionalidade suscitado em torno da alteração do conceito de comparte produzida pela Lei n.º 72/2014 em saber se a abertura das comunidades titulares do domínio cívico incidente sobre os baldios a todos os cidadãos eleitores inscritos e residentes na freguesia onde estes se situem ou que «aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril», com a consequente exclusão da faculdade de autodelimitação que, através do recurso aos usos e costumes, se encontrava até então atribuída aos elementos integrantes de tais comunidades, anula ou invalida a autonomia dominial ou natureza comunitária da propriedade ou da posse que incidem sobre aqueles meios de produção. IV – A alteração do conceito de comparte produzida pela Lei n.º 72/2014 não operou qualquer mutação dominial no âmbito do estatuto legal daqueles bens comunitários, pois a circunstância de a qualidade de membro da comunidade cívica titular dos direitos de uso, gozo e domínio sobre os baldios decorrer agora diretamente da lei e se encontrar automaticamente atribuída, de acordo com o critério adotado, à comunidade-coletividade constituída pelo conjunto dos cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas freguesias em que se situam os baldios ou que aí desenvolvam determinada atividade, não determina, em si mesma, a integração daqueles bens comunitários no domínio público de tais freguesias, nem tão pouco implica que aos órgãos de governo destas entidades passem por essa razão a caber quaisquer poderes de condicionamento ou de ingerência, no âmbito da administração ou gestão daqueles bens. V – E isto desde logo porque, mesmo nos casos em que o universo dos membros das comunidades cívicas – os compartes ou os condóminos – venha a coincidir com o substrato pessoal dos entes territoriais que lhes correspondam, os bens comunitários mantêm-se na titularidade das respetivas comunidades locais, as quais não passam por essa razão a poder confundir-se com os entes territoriais locais ou autarquias locais com base nos quais foi realizada a respetiva delimitação; com efeito, a reconfiguração do critério de atribuição da qualidade de comparte resultante das modificações introduzidas pela Lei n.º 72/2014, não obstante estender aquela qualidade a todos os cidadãos eleitores, inscritos e residen- tes na comunidade em que os baldios se situem ou que aí desenvolvam determinada atividade, apenas produz efeitos quanto à delimitação do universo subjetivo da própria comunidade cívica titular dos direitos de propriedade, uso e gozo sobre aqueles meios de produção, não determinando, nem direta, nem reflexamente, a transmudação da natureza comunitária do domínio e/ou da posse que sobre eles incidem, nem, consequentemente, implicando qualquer perda de autonomia desses «bens comunitá- rios» face ao Estado. VI – A Constituição, embora atribua a titularidade dominial dos baldios às comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, não determina o modo como tais comunidades devem considerar-se para aquele efeito constituídas, nem contém quaisquer critérios com base nos quais deva a respetiva delimitação ser legalmente concretizada, pelo que sendo escasso o nível de predeterminação consti- tucional neste domínio, o legislador ordinário dispõe de uma ampla liberdade conformadora quanto à modelação do universo dos membros integrantes de tais comunidades, cabendo-lhe, assim, quer a determinação do tipo de regras a atender para o efeito, quer ainda, sobretudo naquela primeira hipó- tese, a designação do(s) elemento(s) de conexão nos quais o vínculo de pertença deverá concretamente fundar-se.
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