TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

106 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estipulado no regime aplicável a outros trabalhadores do setor público – artigo 2.º, n.º 10). Na sua ausência, o sacrifício de redução remuneratória imposto aos trabalhadores da categoria em causa é apto a dar causa à distribuição, na proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados na mesma empresa, sem, nessa parte, satisfazer os fins públicos da redução da despesa pública. Na verdade, embora considerando que uma tal razão, por si, não determinaria uma solução de inconsti- tucionalidade da norma, tal não pode deixar de ser tido em conta num juízo de ponderação relativo ao bene- fício ou vantagem da medida restritiva, relativamente ao sacrifício que a redução salarial impõe aos trabalha- dores das empresas de capital maioritariamente público. Verifica-se que, por opção do legislador, o benefício marginal da medida de redução remuneratória não é necessariamente repercutida (e nem sequer por inteiro – “não serve in totum (…) o declarado fim de consolidação orçamental do lado da despesa pública” – como refere o requerente) no Orçamento do Estado, podendo parte reverter a favor do capital privado minoritário. E a questão assume contornos ainda mais problemáticos quando estão em causa empresas não reclassificadas, visto que, como assume o Acórdão, no caso destas, a redução dos salários apenas terá um impacto indireto no Orçamento do Estado, por via da redução dos custos operacionais da empresa, e da hipotética diminuição da necessidade de eventuais transferências orçamentais. Refere o presente Acórdão que o facto de as vantagens da redução remuneratória beneficiarem o capital privado minoritário não invalida que também se produzam em favor do capital público maioritário (por isso afastando a inadequação, aponta o Acórdão), mas, como o próprio Acórdão aceita, o ganho para o Orçamento é remoto no caso das empresas não reclassificadas. Sucede que este eventual benefício “indireto, difuso e parcial” (como adjetiva o Acórdão) para o Orça- mento, prejudica de forma direta e certa os trabalhadores, o não pode deixar de ser ponderado no sentido de desvalor que apontámos. E mesmo quem não realize um controlo de proporcionalidade que confronte medidas diferentes (ou uma medida com a sua ausência), mas proceda à ponderação do interesse público da consolidação orçamental com o direito à remuneração com ele colidente, verificando a aptidão ou idoneidade, necessidade e propor- cionalidade da medida em causa, isoladamente considerada, não deveria deixar de atender a que ainda que a medida fosse idónea a atingir o fim de consolidação orçamental (o que o requerente contesta e se verifica ser, em diversos casos, muito incerto ou, “indireto, difuso e parcial”), ou mesmo que fosse necessária por não se poder prever uma menos restritiva com igual nível de eficácia, sempre deveria ser considerada como uma medida desproporcionada ao ter a virtualidade de fazer reverter a redução da remuneração dos trabalhadores a favor dos titulares do capital privado, ou de um “indireto, difuso, parcial” e incerto benefício orçamental. Do que fica dito resulta ainda que divirjo do Acórdão quando este remete para o Acórdão n.º 509/15 no que respeita ao entendimento da fiscalização da violação do princípio da proporcionalidade, mencionando um controlo do parâmetro “pela negativa”, o que, aliás, a meu ver, é contrariado no próprio Acórdão agora subscrito que menciona também aquele que é o entendimento que a jurisprudência constitucional vem defendendo, designadamente no referido Acórdão n.º 634/93 que cita Gomes Canotilho e Vital Moreira: “o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com sal- vaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).” A visão “pela negativa” referida, além de entrar em contradição com a leitura que faço do entendimento tradicional que a jurisprudência constitucional (chamado neste mesmo Acórdão) vem defendendo do princípio da proporcionalidade – que exige que se demonstre que uma medida é adequada, é necessária, e é proporcional –, tem como efeito a restrição dos poderes de cognição da jurisdição constitucional, posição de que me distancio (o que, em meu entender, acabará por ter os efeitos de restrição dos poderes do Tribunal para apuramento de violações da Constituição conseguido com o “controlo de evidência”, com o risco de o ver transposto para a aferição da lesão de bens constitucionais, como direitos fundamentais). – Catarina Sarmento e Castro.

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