TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

95 acórdão n.º 403/15 nesta hipótese, seja porque, se a tivesse pensado, não a teria ressalvado e, nesse caso, a mencionada interfe- rência nas comunicações não é permitida pela CRP; ou (ii) interpretamos o n.º 4 do artigo 34.º da CRP, através de uma redução teleológica, no sentido de que a recolha dos dados de tráfego no âmbito da atividade dos serviços de informações, por esta ser conexa com a e logicamente antecedente à do processo criminal, é permitida pela CRP. Perante as mencionadas opções – alternativas –, afastamos a primeira, porquanto implicaria aceitar que o legislador constitucional quis (ou quereria) um corte de uma peça essencial de um sistema complexo que pressupõe o trânsito de informações do SIRP para o âmbito do processo penal, quando necessário em função do tipo de informação em causa. De entre as informações que podem ser recolhidas, a respeitante aos dados de tráfego é essencial, designadamente para o estabelecimento de conexões entre pessoas (eventualmente, futuros suspeitos e, sendo caso disso, arguidos em processo penal). Essencial também para assegurar a boa construção e funcionamento do sistema de prevenção e investigação criminal. Em suma, negar a apontada redução teleológica é afirmar que o legislador constitucional preferiu (ou preferiria) não afetar o direito à reserva da intimidade da vida privada um pouco mais a montante do sistema processual penal (apesar de tudo, em termos não tão drásticos quanto aqueles que tal afetação pode atingir na investigação criminal), assim privando tal sistema de parte das informações centralmente relevantes para o seu bom funcionamento. Por outro lado, o bem fundado da segunda opção, no sentido da apontada redução teleológica, revela-se não só a contrario pelas razões constantes do parágrafo antecedente, como também afirmativamente por uma compatibilização mais harmoniosa entre os interesses da reserva da intimidade da vida privada – aqui mais direcionados ao direito à autodeterminação informativa (artigo 35.º da CRP) –, do bom funcionamento do sistema de prevenção criminal, na articulação deste com o processo criminal, e da defesa da ordem consti- tucional, sendo certo que a “inviolabilidade de princípio”, contida no artigo 34.º da CRP deve entender-se limitada, como justamente apontam Jorge Miranda e Rui Medeiros, “[…] pela própria Constituição no seu todo, em especial pelo equilíbrio entre os diferentes direitos fundamentais, maxime o direito à vida ou à integridade física. Constata-se, desta forma, que o recorte do conceito de inviolabilidade utilizado no artigo 34.º deve ser aferido à luz de uma leitura sistemática da Constituição, e não através de uma leitura atomística do referido preceito” ( ob. cit. , pp. 757/758). 11. Tomada posição no sentido da admissibilidade, face ao disposto no artigo 34.º, n.º 4 da CRP, do acesso a dados de tráfego pelos Serviços de Informações, não se alcança ainda a resposta final sobre a confor- midade à Lei Fundamental do artigo 78.º, n.º 2, do Decreto n.º 426/XII. Isto porque a citada norma não tolera toda e qualquer restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, mas apenas as que obe- deçam “à ponderação do princípio da proporcionalidade” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. , p. 774). 11.1. É extensa, profunda e consistente a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição de excesso, aqui relevante. Escreveu-se, sobre a matéria, no Acórdão n.º 187/01: «[…] Embora tenha havido tentativas de ancorar o princípio de proporcionalidade em raízes mais antigas – ligadas, quer à iustitia vindicativa, quer à iustitia distributiva –, a ideia de subordinar o exercício do poder a uma exigência de proporcionalidade recebe acolhimento jurídico claro apenas a partir do iluminismo, no domínio penal e do direito administrativo de polícia, com a vinculação da administração a uma exigência de necessidade, transitando a partir daí para o direito constitucional. A ideia de proporcionalidade lato sensu representa, hoje, uma importante limitação ao exercício do poder público, servindo a garantia dos direitos e liberdades individuais (a aplicação às limitações a direitos fundamentais, enquanto ‘limite da limitação’ remonta, na verdade, pelo menos a Herbert Krüger, “Die Einschränkung von Grun- drechten nach dem Grundgesetz”, Deutsche Verwaltungsblätter, 1950, pp. 628 e segs.).

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