TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

92 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «[…] Aqui chegados, importa, portanto, concluir que os dados da faturação detalhada e os dados da localização celular que fornecem a posição geográfica do equipamento móvel com base em atos de comunicação, na medida em que são tratados para permitir a transmissão das comunicações, são dados de tráfego respeitantes às telecomu- nicações e, portanto, encontram-se abrangidos pela proteção constitucional conferida ao sigilo das telecomunica- ções. Outra coisa será o diferente grau de ofensa que o acesso a estes dados reveste para os direitos e liberdades protegidos pelo sigilo das telecomunicações, relativamente às ‘escutas telefónicas’, quer pela menor informação que revelam, quer pelo facto de não se tratar de um método oculto de obtenção de prova, o que tem suscitado a interrogação sobre se esse acesso deve estar sujeito aos mesmíssimos pressupostos (vide, Mouraz Lopes, em ‘Escutas telefónicas: seis teses e uma conclusão’, na Revista do Ministério Público, Ano 26.º, n.º 104, p. 143). […]” (ênfase acrescentado). Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de abril de 2010, proferido no processo n.º 128/05.0JDLSB-A.S1 (disponível na base de dados da DGSI), a propósito da identidade de questões apreciadas, tendo em vista aferir a viabilidade de um recurso extraordinário, se assinalou, designadamente, o seguinte: «[…] Vê-se assim que, à partida, os factos são diferentes desde logo quanto aos meios de prova que estão em causa. Localização de telefone celular e registo de dados de tráfego no acórdão recorrido, e escutas telefónicas no acórdão fundamento. Ora, o grau de intromissão na privacidade da pessoa alvo destas medidas é muito diverso, como bem diferente é o contributo que as medidas aqui contrapostas podem dar, como prova indiciária. […].» A principal razão pela qual terá de ser diferente o tratamento final a conceder aos dados de tráfego, face aos dados de conteúdo, é fácil de compreender: sabendo que as restrições legais permitidas pelo artigo 34.º da CRP estão sempre sujeitas ao princípio da proporcionalidade (neste sentido, cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., Tomo I, p. 774), é por demais evidente que qualquer ponderação de proporcionalidade tem, necessariamente, de considerar, em um dos pratos da balança, a intensidade da lesão, e que, consequentemente, quanto menor a lesão, maior é o leque de ativida- des que podem ser consideradas legitimadas pela aferição de proporcionalidade. Esta diferença é importante, designadamente, para compreender que, como melhor se analisará adiante, as posições deste Tribunal sobre a proporcionalidade das restrições de direitos a propósito das escutas tele- fónicas (dos dados de conteúdo), designadamente nos Acórdãos n.º 426/05 e n.º 4/06, não são imediata e automaticamente transponíveis, por ser relevante a falta de uma total identidade de razão, para a recolha individualizada, caso a caso – e é o que aqui está em causa –, de dados de tráfego. 10. Aqui chegados, importa enfrentar o obstáculo da letra do n.º 4 do artigo 34.º da CRP, ao referir-se à “matéria de processo criminal”, reconduzido à seguinte questão: a norma constitucional impede o acesso a dados de tráfego pelos serviços de informações, por não se tratar, ali, de um processo criminal? Já articulámos neste texto a atividade de produção de informações – por referência à ideia de defesa administrativa da Constituição – com a atividade de adjetivação penal, referenciando àquela um sentido e intencionalidade preambulares desta (da adjetivação penal), estabelecendo, pois, uma articulação temática entre as duas atividades, em termos que nos permitirão, agora, dar sentido e enfrentar as consequências de uma relação de complementaridade, na respetiva referenciação à área temática de intervenção dos Serviços de Informações. Estamos em crer, aliás, ser essa referenciação que dá sentido, no quadro de um Estado de direito democrático, à função de produção de informações na área da segurança interna.

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