TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

91 acórdão n.º 403/15 opiniões, à margem da devassa da publicidade’ (Costa Andrade, em ‘Bruscamente no verão passado…’ , Ano 137.º, n.º 3951, julho-agosto 2008, p. 339). A privacidade da comunicação, como corolário da reserva da intimidade da vida privada, abrange não apenas a proibição de interferência, em tempo real, de uma chamada telefónica, como também a impossibilidade do ulterior acesso de terceiros a elementos que revelem as condições factuais em que decorreu uma comunicação [Vide, neste sentido Nicolas Gonzales-Cuellar Serrano, em ‘Garantías constitucionales de la persucución penal en el entorno digital’, in Prueba e Processo Penal ( Análisis especial de la prueba prohibida en el sistema español e en el derecho comparado ), p. 171-174, da ed. de 2008, da Tirant lo Blanch,]. Efetivamente, num Estado de Direito democrático, assiste a qualquer cidadão o direito de telefonar quando e para quem quiser com a mesma privacidade que se confere ao conteúdo da sua conversa. […].» Todavia, a aproximação da proteção dos dados de tráfego àquela que se concede aos dados de conteúdo não esconde uma evidência que se impõe intuitivamente: é diversa a afetação da reserva da intimidade da vida privada na recolha ou interceção de dados de base, de dados de tráfego ou de dados de conteúdo. Nesta classificação/enumeração sequencial esconde-se uma inegável progressão de intensidade. As apontadas diferenças não são, claro está, irrelevantes para a consideração, no presente contexto, das duas situações. Desde logo, permitem colocar a proteção dos dados de base num plano inteiramente distinto dos outros dois. Como se assinalou no Acórdão n.º 486/09: «[…] O mesmo raciocínio [sobre os dados de tráfego] não vale para os elementos ou dados de base, já que, conforme assinala Costa Andrade ‘a pertinência dos dados à categoria e ao regime das telecomunicações pressupõe, em qual- quer caso, a sua vinculação a uma concreta e efetiva comunicação – ao menos tentada/falhada – entre pessoas” (…). Na verdade, por exemplo, a mera identificação do titular de um número de telefone fixo ou móvel, mesmo quando confidencial, surge com uma autonomia e com uma instrumentalidade relativamente às eventuais comunicações e, por isso mesmo, não pertence ao sigilo das telecomunicações, nem beneficia das garantias concedidas ao conteúdo das comunicações e aos elementos de tráfego gerados pelas comunicações propriamente ditas (Vide, neste sentido, Costa Andrade, em Comentário Conimbricense do Código Penal , Parte Especial, Tomo III, p. 797-798, da edição de 2001, da Coimbra Editora). A mesma falta de tutela constitucional no plano do sigilo das telecomunicações valerá para os dados de localização celular que não pressuponham qualquer ato de comunicação, bastando para o efeito que o telemóvel esteja em posição de stand by, isto é, ligado e apto para receber chamadas [Vide, neste sentido Costa Andrade, em Bruscamente no verão passado (…) , Ano 137.º, n.º 3951, julho-agosto 2008, p. 341]. […].» Daí que os tribunais superiores da jurisdição comum tenham vindo a conferir um tratamento diverso, no sentido de uma menor proteção – rectius , uma menos acentuada intangibilidade –, aos dados de base, colocando- -os no plano das demais informações sujeitas a segredo profissional, nos termos do artigo 135.º do CPP (cfr. os acórdãos doTribunal da Relação de Lisboa, de 19 de junho de 2014, proferido no processo n.º 1695/09.5PJLSB. L1-9, de 20 de junho de 2013, proferido no processo n.º 1746/05.2TJLSB.L1-8, e de 18/01/2011, proferido no processo n.º 3142/09.3PBFUN-A.L1-5, todos disponíveis na base de dados da DGSI). As apontadas diferenças não esgotam a sua relevância na distinção entre os dados de base e os demais dados decorrentes do serviço de telecomunicações. Elas estendem-se à distinção entre os dados de tráfego e os dados de conteúdo. Sendo verdade que, como atrás se concluiu, a Constituição aproxima estes no sentido de ambos encontrarem acolhimento no artigo 34.º da CRP, mas tal não significa que lhes imponha, necessa- riamente, um tratamento rigorosamente idêntico. Tal nota distintiva não passou despercebida – e constitui um elemento importante a reter – ao Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 486/09, embora ali não tenha sido desenvolvida, por não interferir com a decisão. Com efeito, observou-se neste aresto:

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