TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
85 acórdão n.º 403/15 segredo de Estado a exploração do engano e a atuação clandestina; contudo, esses sistemas, quando centrados dentro do país para fazer face a ameaças a interesses vitais nacionais vindas do exterior, podem colocar em risco elementos fundamentais da democracia que, paradoxalmente, devem proteger […]. Este risco sublinha a menor importância que, para esconjurar este perigo, a estrutura organizacional tem, comparativamente às políticas, práticas e liderança implementadas nesses serviços” ( Transforming US Intelligence, Washington, 2005, p. XI da Introdução). Vale, a respeito da promoção da segurança como valor constitucional, o entendimento da Constituição, do espaço vivencial por ela desenhado, como envolvendo uma proteção ativa do modelo democrático que expressa, funcionando o texto constitucional como “contrato social” contendo cláusulas, explícitas e implí- citas, de autodefesa, através das quais se constrói o conteúdo de uma função de “proteção da Constituição” (fórmula que a Constituição alemã expressamente inclui no seu texto – Verfassungsschutz ), que legítima, além da tutela penal propriamente dita, o que se pode designar como “proteção administrativa da Constituição”. Trata-se aqui do que a Doutrina constitucional germânica identifica como “[…] institutos e faculdades para a defesa da ordem fundamental livre e democrática […]”, englobando a atividade dos serviços de informações, ou seja: “[…] a recolha e tratamento de informações […] em âmbitos que antecedem as ameaças concretas para os bens jurídicos protegidos. Tal recolha e avaliação abarca […] a vigilância de pessoas e organizações suspeitas de atividades contrárias à Constituição” (Erhard Denninger, “Stretbare Demokratie und Schutz der Verfassung”, in Benda, Maihofer, Vogel, Hesse, Heyde, Handbuch des Verfassungs Rechts, 2.ª edição, Berlim, 1994, p. 699). Corresponde esta forma especial de proteção, a atividade que a concretiza, ao domínio pri- mordial de atuação dos Serviços de Informações, corresponde, enfim, à função de produção de informações. Assim, podemos caracterizar a intencionalidade desse conteúdo funcional (a tal atividade de proteção da Constituição, não de proteção ou de defesa do Estado aparelho de poder) como um sistema estruturada em vista do desencadear de mecanismos de alerta prévio, uma função sequencialmente referida ainda a um momento anterior ao da entrada em jogo – rectius , da adjetivação – da tutela penal, mas que, nem por isso, deixa de estar ligada aos valores específicos (aos tipos) abarcados pela lei penal, e de poder mesmo vir a entroncar na adjetivação penal. É que, num Estado de direito democrático, fora de um quadro de referen- ciação aos valores subjacentes à tutela penal – fora dos mínimos éticos e dos valores jurídico-constitucional- mente reconhecidos em que esta assenta (vide Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2007, p. 120, § 25) – não existe qualquer intervenção legítima de proteção do espaço constitucional. Pelo contrário, existirá um uso abusivo e ilegítimo dessa função protetiva. Defender-se-á algo, eventualmente defender-se-á o poder (algum poder circunstancial), mas isso nada tem que ver com a proteção de uma “ordem fundamental livre e democrática”. E é esta que legitima – e só ela legitima – a tarefa de “proteção da Constituição”. Esta – esta atividade exercida num espaço de legitimidade constitucional – situar-se-á, pois, na antecâmara da tutela penal, numa fase ainda larvar desta, e atuará onde os respetivos valores, mesmo que em termos difusos e ainda com um significado ambíguo, já estejam demonstravelmente presentes, já tenham, enfim, sido colocados nalgum tipo de insegurança existencial minimamente concreti- zada e individualizada. E será este mínimo de concretização e de individualização de uma ameaça, que tam- bém poderíamos caracterizar através da ideia de risco, reportada aos valores elencados no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto n.º 426/XII (todos eles reportáveis, por sua vez, à tutela penal), que os Serviços de Informações sujeitarão à apreciação da Comissão de Controlo Prévio, na lógica de funcionamento do n.º 2 do artigo 78.º do mesmo Decreto, recaindo sobre eles (sobre os Serviços de Informação) o ónus de demonstrar os pressu- postos mencionados na norma. Assim, numa espécie de síntese conclusiva, diremos que a atividade de proteção da Constituição inci- dirá sobre condutas individuais ou coletivas que contenham uma potencialidade, não negligenciável, de menoscabo, mesmo que embrionário, dos valores próprios de uma “ordem fundamental livre e democrática”, quando esse desvalor seja reportável ao elenco do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto n.º 426/XII e potencie, ou torne racionalmente expectável, uma evolução que, em última análise, nos conduza a condutas penal- mente típicas, referenciáveis aos valores estruturantes dessa “ordem fundamental livre e democrática” – em
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