TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

83 acórdão n.º 403/15 de um órgão deliberativo de estrutura plural, enquanto pré-condição mínima para a adoção de medidas restritivas de direitos. Constitui um risco especial neste domínio que a polarização, no seio de um grupo específico dentro da Administração, conduza a opções que não tenham sido sujeitas a um debate suficientemente alargado a todas as perspetivas. Contrariamente, um processo de deliberação no seio do Parlamento [ Deliberation within the legis- lative branch ] corresponde a uma mais ampla garantia de que as opções restritivas de direitos sejam efetivamente defensáveis. Um Parlamento, precisamente em função da amplitude e diversidade da sua composição, dá maiores garantias de consideração dos pontos de vista dos onerados com a restrição [ is more likely to contain people who will speak for those who are burdened ] e, por isso mesmo, um processo legislativo ocorrido no seu seio potencia uma mais adequada proteção da realidade que Hayek identifica com o Estado de direito. Neste sentido, a exigência de uma opção legislativa clara [ a clear legislative statement] assegura a existência de níveis diversificados de controlo [checks and balances] na proteção dos direitos individuais. […] ( Laws of Fear. Beyond the Precautionary Principle, Cambridge, Nova York, 2005, pp. 212/213). 4. Assente que a aprovação do Diploma (do Decreto n.º 426/XII), integrando a norma aqui questionada, consubstancia – e esta afirmação tem algo de tautológico – a própria reserva de lei, numa expressão clara e inequívoca, interessa agora caracterizar a atividade dos Serviços de Informações, enquanto elemento central da discussão em torno da referenciação, no n.º 4 do artigo 34.º da CRP, do processo criminal, como espaço de tolerabilidade da ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações e demais meios de comunicação. Trata-se aqui de referenciar essa atividade (a dos Serviços de Informações) no plano constitucional e de procurar a articulação desta atividade com o plano dos valores substanciais intuídos no trecho final desse n.º 4. Com efeito, a existência dessa articulação propiciará um modelo interpretativo apto a sustentar – interpretativamente – que a referência ao processo criminal não afasta, em termos absolutos, da lógica de viabilização de uma inge- rência reportada aos dados de tráfego, a atividade dos serviços de informações. 5. A Constituição da República Portuguesa não trata em qualquer norma – queremos dizer que não trata direta e explicitamente – da atividade dos Serviços de Informações, atividade que referenciaremos aqui, olhando à essência teleológica base de um Diploma contendo o Regime Jurídico do SIRP (a Lei n.º 30/84, de 5 de setembro e o Decreto n.º 426/XII), como função de produção de informações. Todavia, através de um argumento de pendor orgânico, referido à alocação da competência legislativa exclusiva nesta matéria ao Parlamento [referimo-nos ao artigo 164.º, alínea q), da Constituição: [é] da exclusiva competência da Assem- bleia da República legislar sobre […] q) [r]egime do sistema de informações da República e do segredo de Estado […]”], podemos intuir, através da integração dessa competência na reserva absoluta da Assembleia, a consideração da organização funcional, atribuições legais e meios de atuação dos Serviços de Informações – dos Serviços integrantes do SIRP – como matéria pretendida sujeitar aos requisitos específicos que justificam uma tal opção atributiva de competência, a saber: “[…] o sentido e alcance da reserva absoluta de lei par- lamentar [significa], sobretudo: (a) que o processo de criação legislativa é público, desde a apresentação do projeto ou da proposta de lei na AR; (b) que o procedimento legislativo está sujeito ao contraditório político, com intervenção das minorias; (c) que todas e cada uma das normas são formalmente produto da vontade da assembleia representativa” (J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP. Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 309). Esta reserva absoluta foi introduzida na revisão constitucional de 1997, traduzindo-se na migração da anterior reserva relativa [antiga alínea r) do artigo 168.º] para a atual reserva absoluta. A origem desta opção é caracterizada por um participante nesse processo de revisão, como “[inculcando] nitidamente que a reserva não se confina à aprovação de bases gerais ou de estatuto (geral) dos serviços. A solução aprovada acarreta, pois, notória diminuição dos poderes que o Governo vinha exercendo [durante os anos 80] neste domínio sensível, podendo contribuir para atenuar a opacidade e secretismo que têm caracterizado o pro- cesso de instalação dos serviços de informações (e reforçar o controlo democrático das suas atividades)” (José Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, Mem Martins, 1989, p. 57). Note-se que, adicionalmente

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