TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
80 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interceção dos dados de tráfego das telecomunicações, ter-se-ia que munir de um sistema interno de controlo quanto ao cumprimento dos limites legais dessas interceções que fosse, ele também, protetor da ameaça da liberdade que a referida interceção sempre representa. 6. A meu ver, a norma no caso impugnada, e que atribuía, precisamente, a agentes dos Serviços de Informações da República a competência para a interceção dos dados de tráfego das telecomunicações, não cumpria estas exigências, que decorrem do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP. Desde logo, e como se diz no Acórdão, a norma impugnada não definia com a precisão necessária os limites da intervenção administrativa na liberdade individual. A exigência de reserva de lei, na sua dimensão material, não se encontrava portanto (em meu entendimento) neste caso cumprida. Dizer, como se dizia no n.º 2 do artigo 78.º do Decreto da Assembleia, que tal intervenção seria legítima quando implicasse a adoção de meios «necessários, adequados e proporcionais, numa sociedade democrática, para o cumprimento das atribuições legais dos serviços de informação», equivale praticamente a dizer que toda a ponderação quanto à proporcionalidade da intervenção [e, portanto, quanto à legitimidade da mesma] seria por inteiro devolvida à administração. Nenhum critério minimamente preciso ou determinado, de distinção da intervenção lícita da ilícita, era pela lei fixado. Por outro lado, dizer-se – como se diz ainda na norma impugnada – que tal intervenção só seria possível «para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º» [que determinava deverem os serviços de informações «desenvolver atividades de recolha, processamento, exploração e difusão de informações(.) [a]dequadas a prevenir a sabotagem, a espionagem, o terrorismo e a sua proliferação, a criminalidade altamente organizada de natureza transnacional e a prática de atos que, pela sua natureza, pos- sam alterar ou destruir o Estado de direito democrático constitucionalmente estabelecido»], significava, pela amplitude e indeterminação da habilitação que era conferida à administração, que a intervenção desta última seria legítima numa tão vasta plêiade de circunstâncias que se tornaria praticamente impossível delimitar os fatores da sua não admissibilidade. Perante este dado, o facto de, ainda de acordo com o n.º 2 do artigo 78.º do decreto parlamentar, os «ofi- ciais de informações do SIS e do SIED [só poderem] aceder a dados de tráfego (…) mediante a autorização prévia e obrigatória da Comissão de Controlo Prévio» não preencheria por si só a necessidade de controlo e fiscalização interna da intervenção administrativa. Perante o silêncio da lei quanto aos limites da legalidade dessa intervenção, nenhuma garantia efetiva podia ser dada aos cidadãos de que a simples autorização prévia por parte da Comissão constituiria em si mesmo um procedimento eficiente de controlo da atuação adminis- trativa, que prevenisse ou evitasse intromissões abusivas nas liberdades individuais Assim, também por este motivo se não teria cumprido no caso a exigência decorrente do n.º 2 do artigo 18.º A meu ver, o juízo de inconstitucionalidade deveria ter-se fundado apenas nestas razões, aliás retomadas, a final [pontos 21 e seguintes], no texto do próprio Acórdão. – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido. Entendo, conforme memorando que apresentei como relator original, que o n.º 2 do artigo 78.º do Decreto n.º 426/XII, no específico quadro interpretativo traçado nesse memorando, é conforme à Cons- tituição. É esse quadro interpretativo que pretendo deixar explicitado neste voto, servindo-me de partes significativas do memorando. É esta a explicação para a extensão do presente voto. 1. Conforme se indica no Acórdão – e constitui pressuposto do pronunciamento do Tribunal –, o objeto do pedido de fiscalização preventiva restringe-se ao trecho do n.º 2 do artigo 78.º do Decreto n.º 426/XII que permite o acesso aos oficiais de informações do SIS e do SIED, em determinadas condições, a “dados de tráfego” e demais dados conexos com equipamentos de telecomunicações. Embora o requerimento de fiscalização indique todo o n.º 2, percebe-se do restante contexto expositivo ser esse tipo de dados (não a
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