TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

78 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Dissenti desta interpretação. A meu ver, na sua base está um entendimento do que seja o limite previsto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP («[a]lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expres- samente previstos na Constituição») de tal modo estreito que não serve para resolver questões em que, como no presente caso, estejam em causa problemas difíceis de «colisão» entre diferentes direitos fundamentais (o direito à liberdade e o direito à segurança), ou – vistas as coisas de uma perspetiva objetiva e não apenas subjetiva – entre diferentes valores constitucionais dotados ambos da mais intensa carga axiológica: o valor da liberdade, por um lado, e o valor da defesa da ordem constitucional democrática, por outro. 2. Na verdade, e subjacente ao entendimento que foi adotado – segundo o qual os Serviços de Infor- mações da República se situam claramente fora da autorização constitucional que é dada ao legislador para restringir o direito à inviolabilidade das telecomunicações – está a convicção segundo a qual a remissão que é feita para a lei restritiva, quer a que consta do n.º 4 do artigo 34.º da CRP quer a que conste de qualquer outro preceito da lei fundamental, é sempre uma «exceção» a uma «norma» ou «regra». De acordo com este entendimento, a «norma» ou a «regra» é o direito fundamental em si mesmo considerado; e a «exceção», a autorização constitucional para o restringir. E como, em termos lógicos, a exceção a uma «regra» se apre- senta sempre como um quid fechado que não admite «extensões», assim também as «exceções» aos direitos fundamentais, resultantes das autorizações constitucionais para os restringir, nunca admitiriam outras para além daquelas que o legislador constituinte expressamente enunciou. Nestes termos, e voltando à autorização constitucional para restringir o direito à inviolabilidade das telecomunicações, constante do n.º 4 do artigo 34.º da CRP. Como tal autorização constitui uma «exceção», e a «exceção» só comporta a «matéria de pro- cesso criminal», encontra-se vedado – na lógica do Tribunal – qualquer processo interpretativo que procure indagar da razão de ser dessa mesma «exceção», a fim de saber se nela se poderá ou não incluir outra «maté- ria» que, não sendo a expressamente prevista, apresente no entanto com esta última afinidades valorativas, constitucionalmente relevantes. 3. Creio, no entanto, que não é deste modo que se deve entender o conceito constitucional de «autoriza- ção para restringir [um direito fundamental]». Penso que quando a Constituição remete para a lei, indicando a possibilidade legal de limitação de um certo direito para um certo fim, não está a prever nenhuma «exceção» a nenhuma «regra» ou «norma». A complexidade da ordenação constitucional dos direitos fundamentais, e da sua relação com a lei, não se deixa reduzir a tão simples termos. Quando a Constituição remete para a lei, indicando a finalidade de uma restrição a um direito, o que está a fazer é coisa diversa: está a antecipar a possibilidade de ocorrência futura de conflitos entre o direito que consagra e outros «interesses» ou «valores» constitucional- mente protegidos, devolvendo ao legislador ordinário a tarefa necessária de resolução acertada desse conflito. No caso, em que se autorizou o legislador a restringir a inviolabilidade do segredo das telecomunicações «em matéria de processo criminal», previu-se a possibilidade de ocorrência futura de um conflito entre tal inviolabi- lidade, expressão da liberdade das pessoas, e a necessidade de preservação de valores comunitários fundamentais, expressos, nos termos da Constituição, por leis penais incriminadoras, aplicadas por intermédio das normas pertinentes de processo criminal. Além disso, e porque a incriminação de comportamentos e a sua concretiza- ção pelas normas de processo significam também elas próprias, como bem se sabe, restrições à liberdade (do des- tinatário das incriminações), a autorização constitucional expressa para restringir a inviolabilidade do sigilo das telecomunicações em matéria de processo criminal significa também a necessidade, constitucionalmente reco- nhecida, de fazer concordar a liberdade de uns (os titulares do direito à inviolabilidade das telecomunicações) com a liberdade de outros (os titulares dos direitos que a CRP confere a quem é arguido em processo criminal). 4. A existência de Serviços de Informações da República – cujos fundamentos constitucionais o Tribunal pura e simplesmente não aborda –, numa ordem, como a nossa, de Estado de direito democrático, justifica-se pela necessidade de salvaguardar bens jurídicos, coletivos e individuais, que ocupam na axiologia constitu- cional um lugar não menor que os bens tutelados por normas penais incriminadoras. Todavia, da aplicação

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