TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
73 acórdão n.º 403/15 respeitar os direitos, liberdades e garantias (artigo 5.º do Decreto n.º 426/XII), não obedecem aos princípios jurídico-constitucionais conformadores do processo penal, proclamados no artigo 32.º da CRP. 20. E não é a intervenção da Comissão de Controlo Prévio que tem a virtualidade de judicializar o acesso aos dados de tráfego. A titularidade do processo penal é atribuída às autoridades judiciárias compe- tentes – Ministério Público, juiz de instrução criminal e juiz de julgamento [cfr. alínea b) do artigo 1.º do CPP]e aquela Comissão tem a natureza de órgão administrativo não inserido jurídico normativamente na organização judicial, pese embora a qualidade dos seus membros. De facto, do ponto de vista formal ou orgânico, não exerce a função judicial e, do ponto de vista material, não exerce a função jurisdicional. Em questões do foro criminal é sempre inadmissível qualquer procedimento administrativo prévio, por mor das “exigências” do ius puniendi: exclusividade pelos tribunais e exclusividade processual (cfr. artigos 202.º e 32.º da CRP). Ou seja, cumpre aos juízes e tribunais declarar o crime e determinar a pena proporcional aplicável, e tal atividade deve ocorrer no âmbito de um processo penal válido e com todas as garantias constitucional- mente estabelecidas. Ora, é precisamente a falta de intervenção de uma entidade judicial, exigida pelo artigo 32.º, n.º 4, da CRP no que se refere à intervenção nos direitos e liberdades das pessoas, que demonstra não se poder configu- rar a atuação de acesso aos dados de comunicações privadas por parte dos oficiais dos serviços de informação como integrando um “processo criminal”. É certo que, nos termos do artigo 35.º do Decreto n.º 426/XII, a Comissão de Controlo Prévio é composta por três magistrados judiciais, designados pelo Conselho Superior da Magistratura, de entre juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, com pelo menos três anos de serviço nessa qualidade. No entanto, e independentemente da sua concreta composição, a comissão de controlo prévio configura um órgão administrativo e neste ponto é irrelevante saber se é composta por magistrados judiciais, já que os mesmos atuam, não na veste de entidade judicial, mas como membros da referida comissão administra- tiva. De facto, não é específica atividade profissional dos membros que compõem um determinado órgão que muda a natureza do mesmo, transformando-o de órgão administrativo em órgão judicial. Nem o sistema de autorização prévia dada pela referida Comissão para acesso e manutenção dos dados de tráfego se poderia equiparar ao controlo existente num processo penal. De facto, este último, no que toca ao acesso aos presentes dados, assegura garantias não só no que respeita ao acesso, mas ainda no que toca ao tratamento, manutenção e destruição ou cancelamento dos mesmos, definindo inclusivamente prazos máximos perentórios para o efeito. Neste contexto, vigoram as garantias do Código de Processo Penal e da já mencionada Lei n.º 32/2008 que, depois de especificar, no artigo 2.º, n.º 1, alínea f ) , quais as autoridades competentes para acederem aos dados de tráfego das comunicações (no qual não consta qualquer serviço de informações), estabelece várias garantias no que toca ao tratamento e conservação de todos esses dados, sendo nota comum a todo o acesso, tratamento, conservação e extinção, a intervenção de um juiz (assim, artigos 7.º e 9.º e artigo 11.º, que estabelece sobre destruição de dados). Todavia, esta intensidade de controlo não é levada a cabo pela referida Comissão de Controlo Prévio, que se limita a conceder um “visto” prévio de autorização, após o que deixa de ter qualquer intervenção durante as atividades de acesso aos dados em causa. 21. Aliás, independentemente da questão da reserva de juiz em processo penal, a falta das mencionadas garantias verifica-se ainda no que toca à atuação da referida Comissão de Controlo Prévio. De facto, da lei não resulta com suficiente determinação quais os casos ou circunstâncias em que a referida Comissão pode conceder a autorização de acesso aos dados, nem se estabelece com clareza quais as garantias dos visados no que toca à duração da autorização de acesso ou à eliminação dos dados. Ora, uma atividade de acesso aos dados de tráfego, levada a cabo sem conhecimento dos visados, exige regras claras e determinadas que permitam saber até onde pode ir a ingerência, para que haja a necessária segurança jurídica no que toca às restrições possíveis aos seus direitos. De facto, onde a atividade e poderes são exercidos em segredo, maior é o risco de arbitrariedade, já que os indivíduos não têm conhecimento nem controlam a atividade de ingerência em concreto.
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