TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ou seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, no âmbito do processo». E mesmo a circunstância dos dados de tráfego se reconduzirem a crimes tipificados no ordenamento jurídico-penal não permite que se caracterize a “recolha de informação” como um ato de “recolha de provas” ou que a “ação preventiva” configure uma “atividade processual”. Não obstante existir uma relação entre informações e investigação criminal, o legislador teve a preo- cupação de distinguir, em sentido material e orgânico, as duas atividades. Com efeito, a atividade do SIRP de «produção de informações necessárias à salvaguarda da segurança interna e externa, da independência e interesses nacionais e da unidade e integridade do Estado», prescrita no artigo 2.º do Decreto n.º 426/XII, não inclui o exercício de poderes, atos e atividades, «do âmbito da competência específica dos tribunais, do Ministério Público ou das entidades com funções policiais», conforme se preceitua no n.º 2 do artigo 5.º do mesmo Decreto. Por conseguinte, os serviços de informação não possuem quaisquer atribuições policiais ou de investigação criminal, ou seja, não se destinam a garantir o respeito e cumprimento das leis gerais ( v. g. defesa da ordem pública), nem a apurar da autoria da prática de crimes, estando-lhes legalmente vedada tais atividades; nem são órgãos de polícia criminal para efeitos do Código de Processo Penal, nem assumem a qualidade de autoridade de polícia. Há, pois, uma distinção radical entre informações e investigação criminal, o que impede os oficiais de informação de intervirem no processo penal. As informações, no sentido de «elementos de conhecimento sistematizado em quadros interpretativos, através de critérios que sobrepõem a estrutura de sentido à relação causal (…) produzidas através de método próprio e preservadas da atenção e conhecimento de terceiros», nisso se traduzindo os «dois traços distintivos essenciais: – um método próprio; – um regime de segredo» (cfr. Arménio Marques Ferreira, “O Sistema de Informações da República Portuguesa”, in Estudos de Direito e Segurança , Almedina, 2007, p. 69), visam a obtenção de um conhecimento específico necessário à tomada de decisões e não a recolha de prova conducente ao exercício da ação penal. Ainda que a recolha e análise de informações possa ser utilizada na investigação criminal e com vista a medidas de prevenção policiais, não deixa de ser uma atividade autónoma e prévia à investigação criminal. De facto, iniciando-se o processo penal com a notitia criminis, a recolha de informações para esse fim tem que se dirigir a um crime já praticado. De modo que, a recolha de dados no âmbito de processo criminal é sem- pre feita num contexto previamente delimitado pelo objeto desse processo, apenas se recolhendo informações no contexto da investigação de um específico facto e em relação a específicos sujeitos tidos como suspeitos. Diferente é a configuração da atuação “preventiva” dos serviços de informações, à qual corresponderá um acesso aos dados que pode abranger um universo de pessoas muito mais vasto, precisamente por não estar ainda pré-ordenado à investigação de um facto concreto e delimitado. As funções de recolha e tratamento de informações a levar a cabo pelo SIRP, porque preventivas, não se orientam para uma atividade investigatória de crimes praticados ou em execução. Não são atos de polícia judiciária, destinada à investigação criminal. É evidente que uma atuação investigatória processualizada e publicizada, na forma de inquérito prelimi- nar ou de instrução, não só salvaguarda a liberdade e segurança no decurso do processo, como dá garantia de que a prova para ele canalizada foi obtida com respeito pelos direitos fundamentais. A mesma conclusão não se pode extrair de uma ação de prevenção não processualizada ou mesmo não suficientemente formalizada, coberta pelo segredo de Estado, que decorre na total ausência de instrumentos defensivos que comportem um mínimo de dialética processual. Os procedimentos preventivos dessa natureza, desvinculados da depen- dência funcional a uma autoridade judiciária, não fazem parte da investigação criminal. A Lei Fundamental enquadra essas ações no direito constitucional da polícia – artigo 272.º –, não como atividade auxiliar da rea- lização da justiça, mas apenas como “medidas de polícia” de caráter preventivo. A atividade relativa à produ- ção de informações pelo SIRP destinadas a previr os crimes contra a segurança do Estado, soberania nacional e realização do Estado de direito, pode ser abrangida por esse preceito (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. , pp. 663 e 664), mas, porque não se dirige à descoberta da autoria de um crime, não reveste a natureza de investigação criminal. As ações de prevenção do SIRP são, pois, procedimentos administrativos que, devendo

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=