TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
71 acórdão n.º 403/15 propósito da questão de saber se a expressão “em matéria de processo criminal”, usada no artigo 34.º, n.º 4, da CRP, poderia abranger processos de prevenção criminal, designadamente na área da segurança, concluiu que «a obtenção de prova por meio de escutas telefónicas ou similares só é suscetível de ser judicialmente autorizada a partir do início da fase processual de inquérito», o qual «tem de iniciarse logo que haja aquisição da notícia da existência de uma infração criminal idónea à formulação de um juízo objetivo de suspeita sobre a sua verificação»; (ii) No Parecer n.º 16/94, de 24 de junho de 1994 e Parecer n.º 16/94, Complementar, de 26 de outubro de 1995, concluiu que «o sigilo das comunicações é tendencialmente absoluto, cedendo apenas nos termos e pelo modo previstos no Código de Processo Penal como meio de aquisição da prova»; (iii) e no Parecer n.º 16/2000, de 9 de março de 2000, pronunciou-se no sentido de que «no âmbito de processos de natureza cível, sendo solicitadas, por parte do juiz da causa, para efeitos de instrução, infor- mações referentes a dados de tráfego e dados de conteúdo, é legítima a recusa, por parte dos operadores de telecomunicações». Por fim, cabe referir que ao mesmo resultado de interpretação tem chegado a doutrina que se pronun- ciou sobre o texto e a intenção prático-normativa das normas alojadas no n.º 4 do artigo 34.º da CRP. Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que do teor desse artigo resulta que nele se «inclui a proibição de ingerên- cia nos meios de comunicação, salvo nos casos previstos na lei (reserva de lei) em matéria de processo penal (e não para outros efeitos)». (cfr. ob. cit. , p. 543); Cristina Máximo dos Santos refere que o direito ao sigilo das telecomunicações não é absoluto, pois admite exceções previstas na «lei em matéria de processo criminal» «o que vale por dizer que, apenas em processos de natureza penal, se admite a ingerência nas telecomunicações, cabendo à lei ordinária definir os limites em que ela pode ter lugar» (cfr. “As novas tecnologias da informação e o sigilo das telecomunicações”, in Revista do Ministério Público , n.º 99, p. 96); Rui Pereira, precisamente a propósito das competências dos Serviços de Informação da República, afirma que «há limites à atividade dos serviços que decorrem da Constituição. Assim, as “escutas telefónicas” – ou, mais rigorosamente, a ingerência (…) na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação (…) – apenas podem ser levadas a cabo no âmbito do processo penal e carecem sempre se mandado de juiz por se “prenderem dire- tamente” com direitos fundamentais» (cfr. “Informações e Investigação Criminal”, I Colóquio de Segurança Interna, Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Almedina, p. 161). 19. Resta, pois, saber se a atividade dos oficiais de informações do SIRP, para efeitos da qual acedem, nos termos da norma em análise, a dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações, necessários para identificar o assinante ou utilizador ou para encontrar e identificar a fonte, o destino, data, hora, duração e o tipo de comunicação, bem como para identificar o equipamento de telecomunicações ou a sua localização, se pode considerar como atividade «em matéria de processo criminal». Tudo está em saber, a final, se o acesso aos dados de tráfego é um ato que se inclui no âmbito da inves- tigação criminal. Seguramente que a resposta deve ser negativa. Na verdade, os fins e interesses que a lei incumbe ao SIRP de prosseguir, os poderes funcionais que con- fere ao seu pessoal e os procedimentos de atuação e de controlo que estabelece, colocam o acesso aos dados de tráfego fora do âmbito da investigação criminal. A remissão que o n.º 2 do artigo 78.º do Decreto 426/XII faz para a alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º, que descreve as atribuições do SIRP, indica a finalidade do acesso aos dados de trafego: recolha, processamento, exploração e difusão de informações adequadas a previr a sabotagem, a espionagem, o terrorismo, a crimi- nalidade altamente organizada de natureza transnacional e a prática de atos que possam alterar ou destruir o Estado de direito democrático. Ora, a caracterização dessa concreta atividade como recolha de “informações” para efeitos de “preven- ção” dissocia-a, de forma clara e precisa, da atividade própria de investigação criminal. A investigação crimi- nal, di-lo a própria lei – artigo 1.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto – «compreende o conjunto de dili- gências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar
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