TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL telecomunicações informações relativas aos dados de tráfego e à faturação detalhada de linha telefónica insta- lada na morada de uma parte, sem que enferme de nulidade a prova obtida com a utilização dos documentos que veiculam aquelas informações, por infração ao disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 34.º, n. os 1 e 4, da Constituição. Aí se reconheceu que «a garantia da inviolabilidade das telecomunicações não é, na Constitui- ção, absoluta – ela admite a ressalva de “casos previstos na lei” (n.º 4 do citado artigo 34.º). Simplesmente, a Constituição teve o cuidado de delimitar o âmbito em que esses casos se poderiam inscrever – “em matéria de processo criminal”». Sendo esse o critério normativo oferecido pelo preceito constitucional, então, «o âmbito da restrição ao princípio da não ingerência nas telecomunicações está constitucionalmente delimitado, não sendo lícito, a pretexto de concordância com aquele interesse (interesse público da administração da justiça), também constitucionalmente consagrado, ampliar a restrição consentida». Nessa ordem de razão, afirmou- -se, expressivamente, que «é certo que se poderia contrapor ao sigilo das telecomunicações (…) o interesse público na administração da justiça, em ordem ao qual se verteu em lei o dever de cooperação das partes e de terceiros para a descoberta da verdade. O certo é que, como se viu, o âmbito da restrição ao princípio da não ingerência nas telecomunicações está constitucionalmente delimitado, não sendo lícito, a pretexto de con- cordância com aquele interesse, também constitucionalmente consagrado, ampliar a restrição consentida». E no Acórdão n.º 198/85, em que se questionou a constitucionalidade do artigo 1216.º do Código de Processo Civil – que prescrevia que toda a correspondência dirigida ao falido era entregue ao administrador – por desconformidade com o n.º 4 do artigo 34.º, na versão originária, o Tribunal entendeu que nessa dis- posição «apenas se prevê a possibilidade de restrições legais ao sigilo da correspondência “em matéria de pro- cesso criminal”, e a restrição ora em causa não tem aí, a todas as luzes, a sua sede – não é, por outras palavras, ditada por um objetivo de investigação e perseguição criminal». E ao comparar a restrição prevista na norma sindicada com o estabelecido nas Leis de Falências italiana e alemã, refere que «em ambos os mencionados ordenamentos a consagração legal da restrição ou restrições em causa depara com menores dificuldades do que entre nós, uma vez que em qualquer deles o respetivo preceito constitucional ressalva, genericamente, as limitações ao direito impostas “por ato fundamentado da autoridade judiciária, observadas as garantias esta- belecidas pela lei” (Constituição Italiana), ou as limitações impostas “com base numa lei”  (Grundgesetz) ». Na nossa ordem jurídica, a dificuldade em aceitar a restrição ao sigilo da correspondência existe porque «não é uma fórmula ampla e genérica deste tipo a que se contém no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição Portuguesa – mas antes, como se viu, uma fórmula que unicamente prevê restrições (legais) do direito em apreço “em matéria de processo criminal”. De igual modo, nos Acordãos n. os 407/97, 70/08, 486/09 e 699/13 agora em matéria de sigilo de telecomunicações, se considera que a possibilidade de existir ingerência nas telecomunicações só ocorre «no quadro de uma previsão legal atinente ao processo penal (a única constitucionalmente tolerada)»; que «só no domínio do processo penal é que a lei ordinária pode prever restrições à referida garantia contida no artigo 34.º, n.º 4. As necessidades de perseguição penal e de obtenção de provas justificam a compressão do direito individual à comunicação reservada, mas carecem de ser avaliadas pelas autoridades judiciárias em termos de necessidade, adequação e proporcionalidade, de tal modo que violado que seja o princípio da menor inter- venção possível e da proporcionalidade, há de a prova assim obtida ser considerada nula (artigos 32.º, n.º 8, da Constituição e 189.º do Código de Processo Penal)»; e que «a proibição de obtenção de meios de prova mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações pode ser afastada, quer pelo acordo do titular dos direitos em causa, quer pelas restrições à inviolabilidade desses direi- tos expressamente autorizadas pela Constituição. O legislador constitucional prevê expressamente restrições ao sigilo das telecomunicações mas apenas as admite no domínio da lei processual penal». Assim, o Tribunal Constitucional tem considerado que, para além da permissão de restrições expressa- mente previstas no n.º 4, referente ao processo criminal, vigora uma proibição absoluta de ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação, incluindo em matéria de dados de tráfego. E no mesmo sentido se pronunciou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República em quatro Pareceres sobre o sigilo das telecomunicações: (i) no Parecer n.º 92/91, de 30 de março de 1992, a

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