TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

69 acórdão n.º 403/15 exige-se a intervenção de um órgão qualificado para essas funções (cfr. artigo 202.º da CRP). Embora se não trate de um caso em que a reserva do juiz ou a reserva de primeira decisão se encontre especialmente individualizada na Constituição (cfr. Acórdãos n. os 4/06 e 426/05), como sucede em matéria de privação de liberdade (artigos 27.º, n.º 2, e 28.º, n.º 1), entrada no domicílio sem consentimento do titular (artigo 34.º, n.º 2), inibição do poder paternal (artigo 36.º, n.º 6), liberdade de associação (artigo 46.º, n.º 2) e regulari- dade e validade dos atos do processo eleitoral (artigo 113.º, n.º 7), não pode deixar de reconhecer-se que a reserva absoluta do juiz tende a afirmar-se quando não existe qualquer razão ou fundamento material para a opção por um procedimento não judicial de resolução de litígio (Gomes Canotilho, ob. cit. , p. 663). O que é particularmente evidente quando se trate de questões que se reportam ao núcleo duro da função jurisdi- cional, como é o caso das competências exclusivas do juiz de instrução (artigos 268.º e 269.º do Código de Processo Penal), em que releva a prática de atos que afetam direitos, liberdades e garantias das pessoas (cfr. Vieira de Andrade, “Reserva do juiz e intervenção ministerial em matéria de fixação da indemnizações por nacionalizações”, in Scientia ivridica, Tomo XLVII, n. os 274-276, julho/dezembro, 1998, p. 225). Esse é seguramente o caso quando está em causa a interceção, gravação ou registo de comunicações [artigo 269.º, n.º 1, alínea c) , do CPP]. Estando excluída a possibilidade, em todo este contexto, de efetuar uma interpretação da norma consti- tucional que consinta o acesso a dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações no âmbito das atribuições dos serviços de informações, à revelia de qualquer processo penal ou autorização judicial, ainda que tenha em vista a prevenção penal de bens jurídicos muito relevantes [artigos 4.º, n.º 1, alínea c) , e 78.º, n.º 2, do Decreto], dificilmente se poderá encarar a ideia de uma ampliação do âmbito da restrição contida no artigo 34.º, n.º 4, 2.ª parte, a partir do fim da regulação ou da conexão de sentido da norma. Desde logo, porque a finalidade do preceito, como assinalou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 241/02, é a de delimitar o âmbito das restrições à garantia da inviolabilidade das comunicações. E, como se deixou exposto, essa delimitação é expressamente assumida pela Constituição como sendo apenas recon- duzível às situações enquadradas pelo processo penal. Não há aqui, por isso, uma qualquer lacuna oculta que justifique, contra o seu sentido literal, uma interpretação conforme com a teleologia imanente da norma, já que ela própria tem por objetivo definir o âmbito preciso da restrição, sem que se torne possível estabelecer uma identidade valorativa entre o processo penal e a investigação levada a efeito pelos serviços de informa- ções. Além de que o alargamento do âmbito da norma constitucional, a ser admitida, teria um duplo sentido, implicando não apenas uma ampliação do âmbito aplicativo da restrição ao princípio da não ingerência nas comunicações, mas também uma redução da garantia de reserva de juiz, através da remissão do controlo de atos que afetam direitos fundamentais para uma entidade meramente administrativa. Pode, então, concluir-se que, no caso da proibição de ingerência das autoridades públicas nas comuni- cações, que o artigo 34.º, n.º 4, primeira parte, consagra como princípio geral, as exceções a que se refere o segmento final desse preceito estão condicionadas à matéria de processo penal, e sendo a restrição constitu- cionalmente autorizada apenas nesses termos, não tem cabimento efetuar uma qualquer outra interpretação que permita alargar a restrição a outros efeitos, como se a restrição não estivesse especificada no próprio texto constitucional ou se tratasse aí de uma restrição meramente implícita que permitisse atender a outros valores ou bens constitucionalmente reconhecidos. 18. Este tem sido o entendimento constante, quer da jurisprudência do Tribunal Constitucional, quer da doutrina que se pronunciou sobre o sentido jurídico-normativo do n.º 4 do artigo 34.º da CRP. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado que a “compressão” da proibição da inge- rência nas comunicações só pode ser feita nos termos da lei e em “matéria de processo criminal”. Enquanto critério normativo da solução de um concreto problema jurídico, o n.º 4 do artigo 34.º da CRP foi objeto de interpretação no já referido Acórdão n.º 241/02, em que conheceu da inconstitucio- nalidade da norma ínsita no artigo 519.º, n.º 3, alínea b) , do Código de Processo Civil quando interpre- tada no sentido de que, em processo laboral, podem ser pedidas, por despacho judicial, aos operadores de

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