TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL um processo justo e equitativo. Também o n.º 4 do mesmo artigo passou a admitir a extradição por crimes puníveis com a prisão perpétua (ainda que só mediante a garantia de não aplicação ao caso). O próprio artigo 34.º foi objeto de reponderação, na 5.ª revisão constitucional, passando a admitir-se, no n.º 3, a entrada durante a noite no domicílio das pessoas, com autorização judicial, “em casos de crimi- nalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas”. O repensamento desta matéria, nas referidas revisões constitucionais, deixou inalterados os termos da norma permissiva de ingerência nas telecomunicações, estabelecida na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 34.º, e o seu alcance restrito a “matéria de processo criminal”. Apenas se alargou o âmbito da proibição aos “demais meios de comunicação”, na revisão de 1997. Nada autoriza, pois, a admitir uma eventual extensão do âmbito da ressalva final do n.º 4 do artigo 34.º – para a qual, aliás, o intérprete, neste contexto concreto, não dispõe de instrumentos metodológicos adequados. De facto, a referência ao processo criminal não é apenas uma indicação teleológica, mas também a loca- lização da restrição à proibição de ingerência numa área estruturada normativamente em termos de oferecer garantias bastantes contra intromissões abusivas. Ao autorizar a ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação apenas em matéria de processo penal, e não para quaisquer outros efeitos, a Cons- tituição quis garantir que o acesso a esses meios, para salvaguarda dos valores da “justiça” e da “segurança”, fosse efetuado através de um instrumento processual que também proteja os direitos fundamentais das pes- soas. Porque a ingerência nas comunicações põe em conflito um direito fundamental com outros direitos ou valores comunitários, considerou-se que a restrição daquele direito só seria autorizada para realização dos valores da justiça, da descoberta da verdade material e restabelecimento da paz jurídica comunitária, os valores que ao processo criminal incumbe realizar. Assim, remeteu para o legislador processual penal a tarefa de “concordância prática” dos valores conflituantes na ingerência nas comunicações privadas: por um lado, a tutela do direito à inviolabilidade das comunicações; por outro, a viabilização da justiça penal. Na verdade, como escreve Figueiredo Dias, «o processo penal é um dos lugares por excelência em que tem de encontrar-se a solução do conflito entre as exigências comunitárias e a liberdade de realização da personalidade individual» (cfr. Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 59). Assim, a referência ao processo criminal, encontrando-se estreitamente associada à Constituição, onde se detetam normas diretamente atinentes a essa matéria e que condensam os respetivos princípios estruturan- tes (artigo 32.º) – a ponto de se falar numa constituição processual criminal –, tem um sentido hermenêutico inequívoco, não podendo deixar de ser entendido como a «sequência de atos juridicamente preordenados praticados por pessoas legitimamente autorizadas em ordem à decisão sobre a prática de um crime e as suas consequências jurídicas». Nesse plano, o artigo 34.º, n.º 4, ao delimitar a restrição à matéria de processo penal tem também outras consequências com reflexo no estatuto constitucional do arguido. Desde logo, a realização da justiça, não sendo um fim único do processo criminal, apenas pode ser con- seguida de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas que no processo se veem envolvidas. O respeito desses direitos conduz, por exemplo, a considerar inadmissíveis certos métodos de provas e a cominar a nulidade de «todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações» (cfr. artigo 32.º, n.º 8, da CRP). A nulidade das provas, com a consequente impossibilidade da sua valoração no processo, quando sejam obtidas por ingerência abusiva nas comunicações, corresponde assim a uma garantia do processo criminal e resulta de ter havido acesso à informação fora dos casos em que a própria Constituição consente a restrição ao princípio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada. Por outro lado, a referência ao processo criminal implica que a intervenção restritiva careça de prévia autorização judicial. Sendo o processo criminal uma forma heterocompositiva através da qual se realizam as funções de jurisdictio referidas à atuação de pretensões baseadas em normas públicas de direito criminal,

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