TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL acompanhar a evolução tecnológica» (José Magalhães, Diário da Assembleia da República , II Série, de 23 de abril de 1997, p. 2286). Ora, há um largo consenso na doutrina e na jurisprudência, de resto não se conhece posição contrária, no sentido de se incluir os dados de tráfego no conceito de comunicações constitucionalmente relevante para a proibição de ingerência. Quer dizer: o âmbito de proteção do artigo 34.º, n.º 4, abrange não apenas o conteúdo das telecomunicações, mas também os dados de tráfego. Nesse sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, em nota ao artigo 34.º da CRP, salientam que «a garantia do sigilo abrange não apenas o conteúdo da correspondência, mas o “tráfego” como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização)» ( ob. cit. , p. 544). Para Costa Andrade, citando jurisprudência alemã, «na medida em que estivermos no âmbito das comu- nicações, o seu regime e a sua área de tutela abrangem, nos mesmos termos, tanto o conteúdo como os dados ou circunstâncias da comunicação. Sendo as coisas lineares em relação ao conteúdo, hoje não será difícil referenciar a fundamentação e o sentido da inclusão dos dados da comunicação sob a mesma área de tutela. Segundo a lição do Tribunal Constitucional Federal (2 de março de 2006): «também a intromissão nos dados cai na área de tutela do artigo 10.º da Lei Fundamental; o direito fundamental protege também a confidencialidade sobre as circunstâncias do processo de comunicação. O que compreende especialmente o se, o quando, o como, entre que pessoas ou entre que aparelhos a comunicação teve lugar. De outra forma, a tutela do direito fundamental seria incompleta, uma vez que os dados da comunicação têm um grande contexto expressivo ( Aussagegehalt ). Eles podem, em concreto, permitir conclusões decisivas sobre as ações de comunicação e de movimentação. A frequência, a duração e o momento das ligações dão informação sobre a espécie e intensidade das relações e permitem fazer ilações sobre o conteúdo» (cfr. ob. cit. pp. 340 e 341). Por sua vez, Germano Marques da Silva e Fernando Sá afirmam que «é possível perceber que a intenção da Constituição é oferecer proteção ao tráfego de informação escrita, desenhada ou falada, entre dois ou mais destinatários definidos» e «essa proteção, especialmente nos modernos meios de comunicação, é ainda constitucionalmente garantida às circunstâncias em que se realizam as comunicações. Nesses termos, estão também protegidos os dados relativos aos meios de comunicação usados, à hora da sua utilização, à duração da sua utilização, ao local da sua utilização ou à identidade dos seus utilizadores» (cfr. Anotação ao artigo 34.º , in Jorge Miranda e Rui Medeiros., ob. cit. , pp. 772 e 774). O Tribunal Constitucional também já teve oportunidade de se pronunciar expressamente sobre este aspeto, tendo também equiparado a proteção dos dados de tráfego à proteção constitucionalmente conce- dida aos dados de conteúdo. Assim, no Acórdão n.º 241/02, em que refere expressamente que «a proibição de ingerência nas telecomunicações, para além de vedar a escuta, interceção ou vigilância de chamadas, abrange, igualmente, os elementos de informação com elas conexionados, designadamente os que no caso foram fornecidos pelos operadores de telecomunicações». A mesma interpretação foi retomada e ampla- mente desenvolvida no Acórdão n.º 486/09, em que, reportando-se aos dados de tráfego, se afirmou que «num Estado de direito democrático, assiste a qualquer cidadão o direito de telefonar quando e para quem quiser com a mesma privacidade que se confere ao conteúdo da sua conversa». De igual modo, o Conselho Consultivo da Procuradoria da República, nos já referidos Pareceres n.º 16/94, Complementar, de 26 de outubro de 1995, e n.º 21/2000, de 16 de junho de 2000, defendeu que «os elementos funcionais, desde logo, os dados de tráfego, na medida em que permitem a identificação ou identificabilidade da comunicação (direção, destinatário, local, hora, duração) integram já elementos suficientemente relevantes da comunicação justificando a proteção do sigilo. São elementos que apenas se geram quando existiu e porque existiu uma determinada transmissão ou comunicação». No mesmo sentido, o Parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados n.º 29/98, de 16 de abril de 1998, ao concluir que a tutela constitucional do sigilo da correspondência e das telecomunicações «(…) abrange quer o denominado “tráfego” da comunicação quer o conteúdo desta». Os referidos dados são mesmo considerados particularmente sensíveis, nos termos do artigo 7.º da Lei de Proteção de Dados.
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