TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

63 acórdão n.º 403/15 e divulgação pode propiciar ofensas à privacidade das pessoas a que digam respeito. Como refere Maria Eduarda Gonçalves, neste caso, o problema não está na existência ou na quantidade de dados, mas na qualidade, «entendida esta, em termos amplos, como o conjunto das condições da recolha dos dados, seu tratamento e comunicação, bem como as características desses dados, isto é, a sua exatidão, a sua adequação aos fins prosseguidos» (cfr. Direito da Informação, Almedina, p. 84). Neste caso, pretende-se impedir que as informações prestadas a um particular ou a uma entidade possam por estes ser divulgadas a outras pessoas ou entidades, ou seja, que a pessoa se torne “simples objeto de informações”, face a todos os registos informáti- cos que vai deixando no seu dia a dia. A proibição de ingerência ou devassa neste domínio implica não apenas a proibição de acesso a terceiros aos dados pessoais, mas ainda a proibição de divulgação ou mesmo de inter- conexão de ficheiros com dados da mesma natureza (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 554). De modo que é possível assinalar ao direito à autodeterminação comunicativa uma dupla vertente, enquanto proteção de uma reserva da vida privada e enquanto liberdade de atuação, ou seja, uma conexão entre “segredo das comunicações” e “liberdade de comunicação”. 14. A autodeterminação comunicativa é protegida no artigo 34.º da CRP através da inviolabilidade das comunicações. A “inviolabilidade de princípio” justifica-se, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, para «limitar na maior medida possível a possibilidade de restrições, sujeitando-se estas a pressupostos bas- tante vinculados» (cfr. ob. cit., Vol. I, p. 540). Nessa inviolabilidade inclui-se, no n.º 4 daquele preceito cons- titucional, a proibição de ingerência das autoridades públicas nos meios de comunicação, não só as que estão investidas de poderes públicos de autoridade como, mas por maioria de razão, as demais entidades públicas e entidades privadas (n.º 1 do artigo 18.º da CRP). A garantia de não ingerência tem, porém, um sentido mais vasto que o sigilo de comunicações, podendo assumir um duplo relevo. Desde logo, ela configura-se como uma garantia de sentido negativo, de inviolabilidade, que protege o indivíduo de ingerências do Estado ou de terceiros. Neste contexto assume-se como um direito que garante ao respetivo titular posições jurídicas perante o Estado para defesa de abusos relativos à utilização dos dados em causa. Como correspondência desta garantia, cabe ao Estado um dever de não ingerência, de não agres- são. Deste direito deriva, como já se referiu, não só a obrigação de princípio de não divulgar o conteúdo das comunicações privadas, mas também não aceder às circunstâncias em que as mesmas foram efetuadas. Por outro lado, a garantia de não ingerência pode, ainda, reclamar um correspondente dever a ações positivas por parte do Estado. Desde logo, a obrigação de o Estado adotar os instrumentos jurídicos neces- sários para manter a comunicação e seu circunstancialismo como “fechados” (nomeadamente, através da aprovação de leis destinadas à proteção dos dados de comunicação). Nesse sentido, o n.º 2 do artigo 26.º da CRP estabelece, precisamente, uma obrigação legiferante, obrigando o legislador a estabelecer garantias contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações. Depois, através da efetivação do referido “direito ao apagamento” ou ao “bloqueio” dos dados de tráfego, que vai ínsito no direito à autodeterminação comunicativa, e no correspondente “direito ao esquecimento”. De facto, o direito à autodeterminação comunicativa tem, nos dias de hoje, e face à tendencial perenidade dos registos de dados, de passar pela imposição de limites temporais à conservação dos dados. 15. É em face da proibição de ingerência das autoridades públicas nas comunicações que o requerente coloca uma primeira questão: deve o acesso aos dados de tráfego considerar-se uma ingerência nas telecomu- nicações para os efeitos previstos na norma constitucional? A resposta passa por averiguar previamente se os chamados “dados de tráfego”, na definição já referida, estão abrangidos no conceito de “telecomunicações” ou “demais meios de comunicação” enunciados no n.º 4 do artigo 34.º da CRP. Este preceito manteve a sua redação inalterada até à revisão constitucional de 1997, resultando dos trabalhos preparatórios da mesma que a alteração, com a aditação à referência a “demais meios de comunicação”, visou «explicitar dimensões já contidas no artigo 34.º, n.º 4, no sentido de

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