TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL juntamente com a proteção de dados pessoais constantes de ficheiros informatizados ou manuais» (cfr. “Pri- vatização e Direitos, Liberdades e Garantias. A propósito do sigilo de correspondência no serviço de teleco- municações”, in Estudos de Direitos Fundamentais, 2.ª edição, p. 162). Pode falar-se assim de um «direito à autodeterminação comunicativa» que serve para defender vários bens jurídico-constitucionais, entre eles: o direito ao desenvolvimento da personalidade e o direito à reserva da intimidade da vida privada. Na vertente de defesa da reserva da intimidade da vida privada, o direito à autodeterminação comu- nicativa protege a esfera pessoal perante as ingerências públicas ou privadas, ou seja, o interesse das pessoas que comunicam em impedir ou em controlar a tomada de conhecimento, a divulgação e circulação do con- teúdo e circunstâncias da comunicação. Neste sentido, os interlocutores intervenientes têm direito a um ato negativo: à não intervenção de terceiros na comunicação e nas circunstâncias que a acompanham. Trata-se de uma garantia de que devem beneficiar, prima facie , todas as comunicações privadas, independentemente de as mesmas dizerem ou não respeito à intimidade dos intervenientes (cfr. Lucrecio Rebollo Delgado, “ El Secreto de las Comunicaciones: Problemas Actuales,” in Revista de Derecho Político, n.º 48-49, 2000, p. 363). No entanto, o direito à autodeterminação comunicativa abrange ainda esferas de proteção mais amplas que a da simples reserva da vida privada. É que o progresso tecnológico, ao facilitar a acumulação, con- servação, circulação e interconexão de dados referentes às comunicações, aumentou as possibilidades de devassa. Agora é o próprio domínio de atuação do individuo que é posto em causa, pois já não tem meios para assegurar a confidencialidade da comunicação. A liberdade de, à distância, trocar com os destinatários livremente escolhidos por cada um, informações, notícias, pensamentos e opiniões está comprometida com as inimagináveis possibilidades da sua afronta pelos avanços tecnológicos. Por isso, é necessário assegurar que a comunicação à distância entre privados se processe como se os mesmos se encontrassem presentes, i. e. , que as comunicações entre emissor e recetor, bem como o seu circunstancialismo, se tenham como uma comunicação fechada, em que os sujeitos se autodeterminam quanto à realização da mesma e esperam, legi- timamente, que a comunidade proteja o circunstancialismo daquela pretendida comunicação. Ora, como a interação entre pessoas que se encontram à distância tem de ser feita através da mediação necessária de um terceiro, de um fornecedor de serviços de comunicação, exige-se que esse operador e o Estado regulador também garantam a integridade e confidencialidade dos sistemas de comunicação. Neste contexto, o direito à autodeterminação comunicativa assume-se como um direito de liberdade, de liberdade para comunicar, sem receio ou constrangimentos de que a comunicação ou as circunstâncias em que a mesma é realizada possam ser investigadas ou divulgadas. Sem essa confiança, o indivíduo sentir-se-á coartado na liberdade de poder comunicar com quem quiser, quando quiser, pelo tempo que quiser e quan- tas vezes quiser. Trata-se, pois, de permitir um livre desenvolvimento das relações interpessoais e, ao mesmo tempo, de proteger a confiança que os indivíduos depositam nas suas comunicações privadas e no prestador de serviços das mesmas. Como refere Costa Andrade, «a tutela da inviolabilidade das telecomunicações radica assim na “específica situação de perigo” decorrente do domínio que o terceiro detém – e enquanto detém – sobre a comunicação (conteúdo e dados). Domínio que lhe assegura a possibilidade fáctica de intro- missão arbitrária subtraída ao controlo do(s) comunicador(es). Por ser assim, o regime jurídico do sigilo na segurança e reserva dos sistemas apenas visa proteger a confiança na segurança e reserva dos sistemas (empre- sas) de telecomunicações» (cfr. Costa Andrade, ob. cit. p. 339). Neste sentido, os comunicadores têm direito a ações positivas dos operadores e do Estado que não só assegurem a confidencialidade das comunicações e das circunstâncias em que elas se realizam como também lhes permitam controlar os dados produzidos, guardados e transmitidos que respeitem a comunicações já efetuadas. E nisto se distingue do direito à autodeterminação informativa consagrado no artigo 35.º da CRP, com vista à proteção das pessoas perante o tratamento de dados pessoais informatizados. O objeto de proteção do direito à autodeterminação comunicativa reporta-se a comunicações individuais efetivamente realizadas ou tentadas e só essas é que estão cobertas pelo sigilo de comunicações. Naquele outro direito protege-se as informações pessoais recolhidas e tratadas por entidades públicas e privadas, cuja forma de tratamento
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