TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

61 acórdão n.º 403/15 de bens da personalidade na Constituição e na Jurisprudência constitucional portuguesas”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Vol. III, Coimbra Editora, p. 853). Estes direitos encontram-se hoje expressamente consagrados no artigo 26.º da CRP e são intimamente interligados, constituindo a reserva da intimidade da vida privada uma dimensão do direito, mais amplo, referente ao desenvolvimento da personalidade. Mas, não obstante se qualificar como um direito especial de personalidade, o direito à reserva da intimidade da vida privada não se esgota nele, pois está consagrado constitucionalmente como um direito autónomo. E neste ponto, não se confunde com o direito à privacy anglo-saxónica, que tem assumido contornos mais amplos, surgindo como expressão paradigmática de todos os direitos pessoais (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 619). OTribunal Constitucional formulou, pela primeira vez, uma definição do conteúdo do direito à reserva da vida privada no Acórdão n.º 128/92, como constituindo o direito de cada um a ver protegido o espaço interior ou familiar da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias, i. e. , como um direito a uma esfera privada onde ninguém pode penetrar sem autorização do respetivo titular. No entender do Tribunal, esse direito compreende, por um lado, a autonomia, ou seja, o direito a ser o próprio a regular, livre de ingerências estatais e sociais, essa esfera de intimidade e, por outro, o direito a não ver difundido o que é próprio dessa esfera de intimidade, a não ser mediante autorização do interessado (“direito ao segredo do ser”). E no que toca aos lugares da vida onde a vida privada pode ser manifestada, o Tribunal afirmou ainda que ela abrange «a vida pessoal, a vida familiar, a relação com outras esferas de privacidade (…) o lugar próprio da vida pes- soal ou familiar (…) e, bem assim, os meios de expressão e de comunicações privados (a correspondência, o telefone, as conversas orais, etc.». De modo que, na jurisprudência constitucional, as comunicações privadas, englobando o conteúdo e circunstancialismos em que as mesmos têm lugar, são reconhecidas como um meio através do qual se manifestam aspetos da vida privada da pessoa e que, por isso, caem no âmbito da proteção constitucional da respetiva reserva. Quanto ao âmbito objetivo do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, o Tribunal tem dito – em consonância com a doutrina acima referida – (i) que tal direito inclui, como diferentes manifestações, o direito à solidão, o direito ao anonimato e o direito à autodeterminação informativa; (ii) que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, como liberdade comportamental, de livre conformação e expressão da personalidade, é entre nós tratado distintamente do direito à reserva, no sentido de livre controlo da informação sobre aquilo que, em decorrência dessa liberdade de conduta, cada um faz na sua esfera privada; (iii) que a fórmula “reserva de intimidade da vida privada” não pode ser interpretada restritivamente, de modo a circunscrever a proteção constitucional à vida íntima, pois que tal implicaria deixar de cobrir todas as outras esferas da vida que devem igualmente ser resguardadas do público, como condição de salvaguarda da integridade e dignidade das pessoas; (iv) e que o facto de se recusar a equivalência entre “privacidade” e “inti- midade” não impede que se não estabeleçam graduações entre diferentes esferas da vida privada, consoante a sua maior ou menor ligação aos atributos constitutivos da personalidade (cfr. entre outros, os Acórdãos n. os 306/03, 368/02, 355/97, 442/07 e 230/08). 13. O direito ao desenvolvimento da personalidade, na dimensão de liberdade de ação de um sujeito autónomo dotado de autodeterminação decisória, naturalmente que comporta a liberdade de comunicar. Nesta dimensão relacional, do “eu” com o “outro”, o objeto de proteção é a comunicação individual, isto é, a comunicação que se destina a um recetor individual ou a um círculo de destinatários previamente determi- nado. A liberdade de comunicar abrange a faculdade de comunicar com segurança e confiança e o domínio e autocontrole sobre a comunicação, enquanto expressão e exteriorização da própria pessoa. Tal liberdade, enquanto refração do direito ao desenvolvimento da personalidade e da tutela da privacidade, mereceu no texto constitucional um recorte material específico, através da autonomização, no artigo 34.º, do sigilo dos meios de comunicação privada. Servindo para proteger vários bens jurídico-constitucionais, ele é hoje, como refere Gomes Canotilho, «um dos núcleos essenciais do direito à autodeterminação comunicativa,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=