TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

564 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL concreta religião, mas a um pensamento e uma ideologia relativa à aplicação de certos princípios e valores na vida política nacional e internacional». O Tribunal já teve ocasião de se pronunciar, no Acórdão n.º 107/95, sobre a utilização de um tal vocá- bulo, fosse individualmente considerado, fosse enquanto parte de um «eixo sintagmático» (no caso «social cristão»), havendo decidido que em ambos os casos a sua utilização estaria constitucionalmente interdita. A Constituição da República Portuguesa quis – e expressou-o no mencionado preceito – que a desig- nação dos partidos fosse religiosamente neutra, por forma a assegurar uma escolha esclarecida por parte dos eleitores, evitando a confusão entre um partido e uma religião. Diz-se no Acórdão n.º 107/95: «pretende-se, com o preceito constitucional, nomeadamente, evitar a lesão da boa-fé dos cidadãos e assegurar condições de transparência na participação política destes, de modo a afastar juízos de confundibilidade com religiões ou igrejas». Naturalmente, não se ignora que a expressão «democracia cristã», como relembra o presente Acórdão, se refere a uma corrente de pensamento político. Mas, ainda assim, consideramos que não é expressão cons- titucionalmente neutra para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º Defendemos, até, que a Constituição não proíbe, como se vê na salvaguarda que faz no n.º 3 do artigo 51.º, que um partido se pudesse constituir em torno de uma linha ideológica de pensamento que se identi- ficasse com uma corrente de pensamento de influência cristã. Ao ressalvar que a «filosofia ou ideologia inspi- radora do seu programa possa relacionar-se com religiões ou igrejas», a Constituição não fecha a porta a que partidos políticos possam orientar os seus programas e princípios por correntes de pensamento de base cristã. Ou seja, a Constituição admite que um partido se inspire numa religião, não vedando as escolhas esclarecidas dos eleitores relativamente a correntes de pensamento que pudessem ter base religiosa. O que lhes recusa, a meu ver de modo claro, é uma etiqueta que possa transportar confundibilidade para a formação da vontade popular, pondo em causa a desejada transparência da participação política. A esse propósito Jorge Miranda e Rui Medeiros referem: «uma coisa é a plena liberdade de definição dos princípios e dos programas, outra coisa a utilização de denominações suscetíveis de condicionar, pelo seu impacto, a liberdade de escolha dos cidadãos» ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 1015). Do mesmo modo, também não se desconhece que existem, noutros Estados, partidos cuja denominação faz uso de expressão idêntica. Acontece, todavia, que a nossa Constituição não o permite, mesmo que hoje tal expressão venha associada a uma corrente de pensamento político. Do ponto de vista da Constituição é preciso afastar a confundibilidade da denominação potenciada pela inclusão de vocábulos religiosamente conotados. E é com base nesta Constituição que decido. Ora, relembre-se, foi claro o Acórdão n.º 107/95 na leitura que fez acerca da utilização do vocábulo «cristã»: «seja individualmente considerado, seja formando um eixo sintagmático com «social», denota utili- zação constitucionalmente interdita». Foi a posição que defendemos. Deixamos uma última nota para esclarecer que também se está ciente de que na história recente dos partidos em Portugal existiu um Partido denominado «Partido da Democracia Cristã». Convém, contudo, não olvidar que o respetivo registo teve lugar a 19 de fevereiro de 1975, momento anterior à aprovação da Constituição de 1976, e do n.º 6 do artigo 5.º da Lei n.º 595/74, aditado pelo Decreto-Lei n.º 126/75, de 13 de março (proibindo que a denominação do partido possa «consistir no nome de uma pessoa ou de uma igreja»). Em nosso entender, da regulamentação posterior não chegou a resultar o dever se fazer refletir a aplicação do disposto no 51.º, n.º 3, aos partidos constituídos antes da entrada em vigor da Constituição. – Catarina Sarmento e Castro.

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