TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
542 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O preceito transcrito contém uma série de derrogações ao disposto no artigo 355.º, n.º 1, do CPP, que con- sagra, como regra geral, que a produção de toda a prova a ser utilizada para efeitos de fundamentação da decisão judicial tem de ser feita em audiência de julgamento. A par das declarações para memória futura, essa leitura apenas é admitida quando estejam em causa: (1) declarações prestadas perante juiz, na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar, na audiência, que já não recorda certos factos, ou quando houver entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias; (2) declarações prestadas perante juiz, Ministério Público ou órgãos de polícia criminal, se houver consenso entre os sujeitos processuais (cfr. José Damião da Cunha, ob. cit. , p. 406, e Joaquim Malafaia, O acusatório e o contraditório nas declarações prestadas nos atos de instrução e nas declarações para memória futura , in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14, 2004, p. 521). Na verdade, este regime severamente limitativo funda-se naquilo que a doutrina reputa de “imediação mate- rial”, ou seja, num imperativo de utilização da melhor prova disponível ou de recurso, em primeira linha, às fontes imediatas ou originais de informação (cfr. Sandra Oliveira e Silva, ob. cit. , p. 238). Asserção semelhante foi veicu- lada, por este Tribunal, no Acórdão n.º 90/13 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) : «(…) Daí que, sendo a prova testemunhal em sentido amplo, quanto à sua formação, uma prova constituenda, como regra geral se proíba a admissão em julgamento de anteriores declarações processuais. Na verdade, este tipo de prova, em fase de julgamento, só está imune a qualquer juízo de desconfiança relativamente à sua auten- ticidade e credibilidade quando ela é produzida perante o julgador, aos olhos do público e com o contributo dialético dos sujeitos processuais. É essa desconfiança que, na opção legislativa, não permite a transmissibili- dade daquelas declarações para a fase de julgamento. (…)» 8. Da obrigatoriedade da leitura das declarações em audiência de julgamento 8.1. Porém, como decorre da delimitação do objeto do recurso já ensaiada, a questão de constitucionalidade em causa nos presentes autos não tem que ver com a admissibilidade das declarações para memória futura, no quadro das garantias de defesa do arguido, mas antes com a não obrigatoriedade da leitura, em audiência de julgamento, dos autos em que as mesmas se encontram transcritas ou reproduzidas. Acrescente-se, ainda, que não é tarefa deste Tribunal controlar o iter hermenêutico percorrido pelo tribunal recorrido, à luz das regras gerais sobre a interpre- tação jurídica e das suas especificidades no direito penal e no processo penal, nem tampouco indagar da bondade da solução legislativa subjacente à interpretação normativa sufragada nos autos. Ressalvados estes aspetos, tudo está em saber se a obrigatoriedade de leitura em audiência decorre de algum dos princípios constitucionais supra excogitados, e, em caso afirmativo, se a compressão decorrente da opção legislativa contrária é suscetível de encontrar arrimo bastante noutros princípios ou interesses constitucionalmente protegidos. 8.2. A questão tem recebido tratamentos diferenciados por parte da jurisprudência (cfr. Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 17.ª edição, 2009, p. 650) e da doutrina penalista. No sentido da obrigatoriedade da leitura das declarações, invocam-se, desde logo, os princípios da oralidade e da publicidade, porquanto a prática de dar por lidos os autos de declaração impede o público em geral de acompa- nhar a produção de prova e prejudica o respetivo convencimento sobre a justiça da decisão (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 2008, p. 223), lançando desconfianças sobre o exercício da justiça penal [cfr. Maria João Antunes, O segredo de justiça (… ), p. 1241, e Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 221]. Argumenta-se, ainda, que “só os meios de prova adquiridos no processo podem ser valorados”, aquisição essa que apenas se dá com a leitura dos protocolos em audiência de julgamento (Sandra Oliveira e Silva, ob. cit. , p. 246), ou seja, respeitando as exigências decorrentes dos princípios fundamentais em matéria de produção de prova (cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de outubro de 2008, processo n.º 0814505, e de 17 de novembro de 2004, processo n.º 0414002, disponíveis em www.dgsi.pt ). Na jurisprudência constitucional, a conclusão tem sido a de que não constitui violação dos princípios do con- traditório, da oralidade, da imediação e da publicidade da audiência o facto de o tribunal se servir, para formar a sua
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