TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015

540 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na verdade, esta atividade probatória, porque realizada fora do seu locus “natural” – a audiência de julgamento – implica evidentes prejuízos para o princípio do contraditório (cfr. artigo 32.º, n.º 5, da CRP), bem como para os princípios da oralidade, da imediação e da publicidade. Destarte, a validade desta “antecipação” da fase de jul- gamento está dependente, como é bom de ver, do cumprimento escrupuloso de um conjunto de requisitos, mor- mente de exigências associadas ao princípio do contraditório. Assim se explica o disposto nos n. os 2 e 4 do artigo 271.º do CPP, bem como a necessidade de redução a auto das declarações prestadas, vertida no n.º 1 do artigo 275.º do mesmo diploma (cfr. José António Mouraz Lopes, A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português, Studia Ivridica , 83, 2005, p. 161, e José Damião da Cunha, O regime processual de leitura de decla- rações na audiência de julgament o, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7, 1997, p. 410). O princípio do contraditório decorre não só do princípio da igualdade de armas e das exigências ligadas a um processo equitativo (cfr. o Acórdão n.º 279/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , mas também da estrutura acusatória do processo penal. Este desdobra-se, assim, tanto num imperativo de separação entre a enti- dade que investiga e acusa e a entidade que julga, como na criação de condições de “reciprocidade dialética” entre a acusação e a defesa, isto é, de codeterminação, pelos sujeitos processuais, da decisão final do processo (cfr. Maria João Antunes, Direito ao silêncio e leitura, em audiência, das declarações do arguido , in Sub Judice , n.º 4, 1992, p. 25). Ora, o núcleo essencial do contraditório reconduz-se, de acordo com a jurisprudência constitucional, ao facto de que “nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual con- tra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”. Com efeito, “não se garante uma defesa efetiva se não houver possibilidade real de serem contrariadas e contestadas todas as afirmações ou elementos trazidos aos autos pela acusação” (vide, entre outros, os Acórdãos n. os 434/87, 172/92, 372/00 e 279/01, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Por seu turno, a oralidade e o seu corolário – a imediação – surgem como princípios de forma instrumentais rela- tivamente ao princípio da investigação, o qual, não obstante enxertado numa estrutura acusatória, tem valor ou dig- nidade constitucional (cfr. os Acórdãos n. os 137/02 e 465/04, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Partem do pressuposto de que a decisão jurisdicional só deve ser proferida por quem tenha assistido à produção das provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa, através de um debate oral. Estima-se que as vantagens epistemológicas trazidas pelo contacto instantâneo do juiz do julgamento com os meios de prova permitam alcançar mais facilmente a verdade dos factos [cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª edição (reimpressão), 2004, p. 220, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal , vol. I., Verbo, 6.ª edição, 2010, p. 105]. Contudo, apesar de parcialmente sobrepostas, imediação e oralidade não se confundem em absoluto: se, geral- mente, as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas assentam em ambos os princípios, já a exibição, em audiência, de objetos apreendidos ou de documentos preenche os requisitos da imediação, mas não os da ora- lidade [cfr. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 220]. Neste contexto, é inequívoca a compressão que as declarações para memória futura importam para os princí- pios assinalados, porquanto ainda que tal atividade probatória decorra no mesmo “cenário” processual em que terá lugar a audiência de julgamento, não será o juiz desta fase do processo a “usufruir” das vantagens ligadas à relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes processuais. Por outras palavras, as garantias que rodeiam a prestação das declarações não aplacam o facto de elas chegarem ao juiz de julgamento sob a forma de atos escritos ou gravados, elaborados nas fases iniciais do processo (Sandra Oliveira e Silva, A proteção de testemunhas no processo penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 234). Todavia, essa compressão justifica-se em nome da proteção do interesse da vítima e, indiretamente, em razão do interesse público da descoberta da verdade material, sendo de sublinhar o balanceamento gizado no n.º 8 do artigo 271.º, do CPP, que viabiliza a prestação de depoimento em audiência de julgamento, “sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar” (cfr. António Gama, Reforma do Código de Processo Penal: a prova testemunhal, declarações para memória futura e reconhecimento , in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 19, 2009, p. 402).

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