TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
539 acórdão n.º 399/15 «[…] a) não ter havido violação, no caso dos presentes autos, das disposições constitucionais invocadas pelos ora recorrentes, ou seja, o artigo 35.º, n. os 1 e 5 da Constituição da república Portuguesa; b) não serem, assim, inconstitucionais as normas constantes dos artigos 271.º, n. os 6 e 8, 355.º, n. os 1 e 2 e 356.º, n. os 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Penal, relativas à obrigatoriedade de leitura, na audiência de discussão e julgamento, das declarações para memória futura prestadas pelos ofendidos; c) negar, nessa medida, provimento ao recurso de constitucionalidade imposto; d) manter, em consequência, o Acórdão recorrido, de 20 de janeiro de 2015, do Tribunal da Relação de Évora.» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 7. Como decorre do relato que acaba de fazer-se, a questão que no presente recurso se coloca não é nova para a jurisprudência constitucional. Com efeito, no Acórdão n.º 367/14 decidiu o Tribunal «não julgar inconstitucional o artigo 271.º, n.º 8, do CPP, no segmento segundo o qual não é obrigatória, em audiência de discussão e julgamento, a leitura das declarações para memória futura». A decisão fundamentou-se do seguinte modo: «7. As declarações para memória futura 7.1. O instituto das declarações para memória futura reporta-se a um conjunto excecional de casos em que é admissível proceder à inquirição de testemunhas em fases anteriores à do julgamento, podendo tal depoimento, se necessário, ser tomado em conta em julgamento e contribuir para a formação da convicção do julgador. Na hipó- tese de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, a inquirição do ofendido, pelo juiz, durante a fase de inquérito, tornou-se mesmo obrigatória (cfr. artigo 271.º, n.º 2, do CPP), desde as alterações produzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto. Ao contrário dos demais casos de declarações para memória futura, assentes num juízo de prognose quanto à impossibilidade de o declarante estar presente na audiência de julgamento, a doutrina sublinha que, nos crimes contra a autodeterminação sexual de menor, a prestação de declarações, bem como o seu caráter obrigatório, radi- cam numa “opção protetora” do ordenamento jurídico justificada pela especial vulnerabilidade do ofendido (cfr. ainda o artigo 26.º da Lei n.º 93/99, de 14 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 42/2010, de 3 de setembro, doravante designada “Lei de Proteção de Testemunhas”). Com efeito, visa-se não só assegurar a genuinidade e a credibilidade das declarações prestadas, mas também, no quadro das recomendações do direito europeu sobre a matéria, mitigar o efeito de vitimização secundária que a repetição das inquirições inelutavelmente comporta [cfr. António Miguel Veiga, «Notas sobre o âmbito e a natu- reza dos depoimentos (ou declarações) para memória futura de menores ou vítimas de crimes sexuais (ou da razão de ser de uma aparente “insensibilidade judicial” em sede de audiência de julgamento», Revista Portuguesa de Ciên- cia Criminal, ano 19, 2009, p. 107, e ainda Rui do Carmo, «Declarações para memória futura – Crianças vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual», Revista do Ministério Público, n.º 134, 2013, p. 123]. Tal intenção é, aliás, expressamente coonestada pelo artigo 28.º da Lei de Proteção de Testemunhas. 7.2. O imperativo constitucional de concordância prática entre o interesse da vítima, o interesse da descoberta da verdade material e a salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido (cfr. o artigo 18.º, n.º 2, da CRP) reclama naturalmente que as cedências ou compressões de cada um destes direitos ou interesses constitucionalmente pro- tegidos se limite ao indispensável para a realização dos demais, asserção que desvela, no domínio das declarações para memória futura, uma série de consequências normativas (cfr. Maria João Antunes, «O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coação», in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1238).
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