TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
523 acórdão n.º 392/15 a referida «presunção» implica a «consignação da inversão do ónus da prova ou da presunção de inocência», em violação das garantias de processo criminal que são consagradas no artigo 32.º da Constituição, tendo o Tribunal Constitucional entendido não lhe assistir razão, com a seguinte fundamentação: «Na verdade, in casu , a «presunção» contida no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 apenas opera após a condenação, em nada contrariando, pois, a presunção de inocência, consagrada no n.º 2 do artigo 32.º da CRP. Além do mais, trata-se de uma presunção ilidível, como são todas as presunções legais exceto quando o legislador disponha em contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil). O princípio de que parte o legislador ao estabelecê- -la – princípio cuja não verificação o recorrente sempre poderia ter demonstrado – é o de que ocorreu no caso um ganho ilegítimo, proveniente da atividade criminosa, compreensivelmente reportada ao rendimento do condenado que exceda o montante do seu rendimento lícito.» Conforme decorre do referido Acórdão n.º 101/15, é importante para a apreciação da conformidade constitucional deste tipo de medidas de perda alargada de bens, designadamente, para saber se as mesmas ofendem o princípio da presunção da inocência nas suas diversas dimensões, ter em atenção a sua natureza, matéria sobre a qual a doutrina está longe de ter uma posição unânime. Assim, Augusto Silva Dias (cfr., ob. cit. , pp. 38-40) entende que o confisco de bens, assim concebido, isto é, um regime de confisco ampliado, assente estruturalmente numa presunção e numa inversão do ónus da prova, nos termos previstos pela Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, cumpre finalidades político-criminais idênticas à da perda de bens e vantagens relacionadas com a prática do crime: reforçar na consciência coletiva o lema de que o crime não compensa e evitar que o património obtido de forma criminosa organizada seja utilizado para come- ter novos crimes ou para ser “investido” na economia legal. Entende este autor que este confisco tem, assim, uma natureza eminentemente penal, constituindo um efeito patrimonial, não automático, da pena. Damião da Cunha ( ob. cit. , p. 134), por seu turno, entende que se trata de uma medida de caráter não penal (no sentido de que nada tem a ver com um crime), de caráter análogo a uma medida de segurança (uma sanção suspeita, condicionada à prova de um crime), tratando-se, no fundo, de uma sanção adminis- trativa prejudicada por uma anterior condenação penal. Neste mesmo sentido Pedro Caeiro ( ob. cit. , pp. 308 a 311) afasta as hipóteses de esta medida ser uma pena («porque não é limitada por considerações de culpa»), uma reação análoga a uma medida de segurança (porque lhe «falta a determinação de um pressuposto essencial das medidas de segurança, qual seja, o con- creto perigo de as vantagens possuídas pelo condenado servirem para a prática de futuros crimes»), uma sanção penal sui generis, de natureza idêntica à da perda clássica ou um efeito da pena, e acaba por concluir que a mesma não «pode constituir reação penal alguma, por uma razão singela mas decisiva: a sua causa não é um facto (típico, ilícito e culposo) punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a “atividade criminosa”)». Sustenta, por isso, este autor, acompanhando o entendi- mento de Damião da Cunha, que se trata de uma medida (mas não uma sanção) «de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal». Também Conde Correia ( ob. cit. , p. 116) afasta a hipótese desta medida ter uma natureza penal. Jorge A. F. Godinho (cfr., ob. cit. , p. 1349), por sua vez, realçando que a natureza jurídica do confisco de bens previsto na Lei n.º 5/2002 não parece fácil de determinar, uma vez que, por um lado, pressupõe a culpa do agente em relação a um dos crimes do «catálogo», a verdade é que tal é apenas o facto de que o legislador faz depender a aplicabilidade do regime, afigurando-se, por isso, duvidosa a sua qualificação como uma pena, uma vez que na sua aplicação não relevam quaisquer considerações relativas à culpa. Assim, partindo do entendi- mento de Figueiredo Dias, que considera o confisco de vantagens do crime constante do Código Penal «como uma reação penal análoga a uma medida de segurança» (conceção que assenta no dado político-criminal de que o confisco deve ser decretado independentemente da culpa ou da imputabilidade do agente, dependendo ape- nas da verificação de um ilícito-típico que gera vantagens), este autor sustenta que a especificidade do confisco «alargado» reside no facto de que o ilícito-típico a que se dirige não carece de ser provado. A posse de bens de
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